Cidade da grande São Paulo será a primeira do país a ter a sua após autorização do STF

A decisão do Supremo Tribunal Federal em setembro do ano passado de dar aval para que municípios tenham suas loterias próprias ainda é encarada com timidez pelos prefeitos, embora haja sinais de avanços. O município de Guarulhos, na grande São Paulo, aprovou lei e será o primeiro a ter sua loteria. A modalidade ainda não definida.

O Projeto 1532/2021, que cria o serviço público de Loteria no Município, foi aprovado no último dia 26 de maio, com votos 21 sim, 8 não e 3 abstenções. Foram aprovadas duas emendas aditivas que destinam parte da arrecadação para a segurança pública do Município e para um hospital veterinário.

A proposta de implantação da loteria municipal, define a melhor forma de gestão para promover a arrecadação de fundos que serão destinados a áreas estabelecidas, como saúde, esporte e cultura. A exploração do serviço ocorrerá mediante o cumprimento das regras atualmente impostas pela legislação federal, representando, deste modo, uma possibilidade de obtenção de recursos neste momento de crise.

Município de Guarulhos (SP)

Com a aprovação, Guarulhos se tornou o primeiro município do Brasil a contar com uma loteria municipal, depois da decisão do Supremo Tribunal Federal que definiu que as Prefeituras podem explorar esse serviço, desde que a destinação tenha finalidades determinadas.

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Em Porto Alegre, a Câmara de Vereadores já analisa um projeto de lei similar. Se, por um lado, as loterias – ainda precisam de regulamentação – podem ser um reforço de caixa imediato para o caixa das prefeituras, o cenário gerou preocupação nas casas lotéricas. O assunto vai render, garante o especialista em jogos Magnho José, presidente do Instituto Jogo Legal.

A aprovação pela Câmara Municipal de Guarulhos da Loteria Municipal e o projeto de lei apresentado pelo vereador Claudio Janta acabou gerando um debate no mercado lotérico brasileiro sobre a legalidade da prestação deste serviço pelos municípios. Como existem entendimentos divergentes sobre o tema é oportuno discutir as variáveis sobre a criação do serviço público das loterias pelos municípios.

Em outro município a ideia também já está em tramitação. Usar os recursos destinados às apostas de loteria e até os prêmios que não forem retirados pelos vencedores para ajudar a custear ações de Saúde no município, como exames, consultas, mais médicos e investimentos no Hospital São Vicente de Paulo. Assim o vereador Cícero Camargo da Silva, o Cícero da Saúde (PL), defende o projeto de lei que cria em Jundiaí a loteria municipal. A iniciativa dele tramita na Câmara Municipal, mas já tem parecer de inconstitucionalidade.

De acordo com Cícero, a ideia é que as pessoas que gostam de apostas façam isso de maneira a também colaborar com a cidade. “É um meio que encontramos para poder ajudar, destinando esses recursos à Promoção de Saúde, ao São Vicente, HU, para contratação de mais médicos, de exames e consultas. O Governo Federal já tem a loteria e outras formas, mas o munícipio conta com poucos recursos enviados para custear a Saúde. Jundiaí acaba tendo de bancar quase tudo”, declarou.

O parlamentar citou iniciativas realizadas em outros municípios para justificar o projeto. “Barretos, por exemplo, tem alguns jogos para incentivo do hospital de lá. Nossa ideia é que com a arrecadação (das apostas), uma porcentagem deste recurso seja destinada às ações para benefício da população jundiaiense, como na Saúde, por exemplo”.

No projeto, Cícero alegou que o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu recentemente que o Governo Federal não tem exclusividade na exploração de loterias, “tendo por unanimidade estendido a Estados e municípios essa competência”. A responsabilidade para gerir a loteria, segundo ele, ficaria a cargo da Prefeitura.

Entenda as etapas do jogo.

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No acórdão do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal das ADPF’s 492 e 493 e a ADI 4.986, o ministro Alexandre de Moraes decidiu em seu voto que os municípios têm as mesmas competências pelo fato de não existir expressa vedação na Constituição Federal.

“Entendo que, por não existir expressa vedação aos estados e municípios, a União não poderia – nos termos do art. 19, III, da Constituição, que consagra uma das importantes vedações federativas –, ao exercer sua competência legislativa privativa, criar distinções ou preferências entre União e estados, entre União, estados e municípios ou entre estados diversos”, decide Moraes em seu voto.

O inciso III do artigo 19 da Constituição Federal define que é “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(…) criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

Através do artigo ‘As Loterias Estaduais e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal nas ADPFs 492 e 493’ veiculado no site do escritório Brasil Fernandes Advogados, e assinado pelos advogados Roberto Carvalho Brasil Fernandes, Alexandre Amaral Filho e Rafael Biasi manifestam entendimento diferente do ministro Alexandre de Moraes. “Há que divergir da imprecisão do voto do Ministro Alexandre de Moraes. O voto, apesar de afirmar sua adesão ao voto do relator, destoa dos fundamentos deste ao dar a entender que aos municípios caberiam as mesmas competências atribuídas aos estados – competências que, entretanto, que não são previstas na Constituição Federal”, comenta Brasil Fernandes.

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Através de novo artigo intitulado ‘Loterias Municipais são Possíveis?’ os advogados reafirmam o entendimento que apenas União e os Estados da federação podem explorar o serviço lotérico no país.

Mas o advogado e ex-vice-presidente da Loteria do Estado do Rio de Janeiro – LOTERJ, Paulo Horn manifestou um entendimento divergente no artigo ‘A importância da decisão do STF sobre as loterias estaduais’ veiculado pelo BNLData no dia 1º de outubro de 2020, ao afirmar que os municípios têm autonomia para explorar o serviço de loterias.

“Coube aos Ministros da nossa Corte Constitucional, a confirmação de todos os nossos argumentos, cujo resultado é a autonomia político-administrativa e financeira dos Estados, Distrito Federal e Municípios, bem como a possibilidade de utilizarem mais uma solução em busca do equilíbrio fiscal”, comentou Paulo Horn.

O ministro relator Gilmar Mendes destacou no Acórdão a importância dos recursos advindos das loterias para financiamento da seguridade social, que no Brasil, é descrita como um conjunto de políticas públicas que visa o bem-estar do cidadão, formado por três principais serviços: saúde, assistência social e previdência social.

“A implantação ou retomada da exploração desses serviços pelos entes federados subnacionais constituirão, portanto, importante fonte de recursos para a superação de contingências financeiras contemporâneas, além de constituir, em última análise, importante reforço aos recursos da seguridade social (Art. 195, III, da CF/88)”, defende Mendes.

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Lembrando que o Estado brasileiro está organizado sob a forma de uma federação, onde o poder político se encontra distribuído pelas partes que integram o Estado Federal, sendo os entes federativos composto pela União, Estados Membros, Municípios e Distrito Federal.

Já a questão do financiamento da seguridade social é definida no inciso III do artigo 195 da Constituição Federal, que será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e de várias contribuições sociais, inclusive sobre a receita de concursos de prognósticos, incidindo em qualquer loteria, sorteio, jogo, desde que seja uma atividade lícita.

O ministro Gilmar Mendes reitera em seu voto a possibilidade de exploração do serviço de loterias pelos municípios ao declarar a não recepção do art. 1º do Decreto-Lei 204/1967 pela Constituição de 1988 quando afirma que “a mim me parece acertado inferir que as legislações estaduais (ou municipais) que instituam loterias em seus territórios tão somente veiculam competência material que lhes foi franqueada pela Constituição”.

Em síntese e pelo exposto, instituir Loteria Municipal própria, nos parece, é uma aventura jurídica para os gestores municipais e um risco legal para eventuais investidores, embora seja uma fonte excelente de renda para os municípios.

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A pretensão dos municípios instituir Loteria própria não é pioneira. Inclusive, o STF já se manifestou contrário a esta iniciativa, vide Arguição de Descumprimento Preceito Fundamental 337, muito embora tenha adotado outro fundamento àquela época.

De toda sorte, as iniciativas contemporâneas correm o risco de atrair, além de eventuais vícios de origem e vedação prevista na Lei Complementar nº 173 de 2020, o flagrante conflito em face da Constituição da República/88.

Vale lembrar que o julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 492 e 493 pelo Supremo Tribunal Federal, publicado em dezembro de 2020, assegurou a competência dos Estados-membros e do Distrito Federal para exploração da atividade dentro de seus respectivos territórios ao reconhecer a inexistência de exclusividade da União para instituir Loterias e explorar as modalidades respectivas.

Confira abaixo a íntegra do projeto aprovado pela Câmara Municipal de Guarulhos para a criação da loteria municipal e, que está sendo modelo para outras cidades.

Projeto de Lei nº 1.532/2021.
Dispõe sobre a criação do serviço público de Loteria no Município de Guarulhos.
CAPÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 1º A Loteria do Município de Guarulhos poderá explorar quaisquer das modalidades lotéricas previstas na Lei Federal nº 13.756, de 12/12/2018.
1º A captação dos recursos por meio da loteria municipal dar-se-á através do entretenimento e da exploração de jogos lotéricos.
2º Para os fins desta Lei, considera-se jogo lotérico toda operação, jogo ou aposta, na modalidade de concurso de prognóstico, para obtenção de prêmio em dinheiro ou em bens de outra natureza.
Art. 2º O serviço público de loteria a que se refere esta Lei será explorado pelo Poder Executivo, por meio da Secretaria da Fazenda.
CAPÍTULO II
DA DESTINAÇÃO DOS RECURSOS DAS LOTERIAS
Art. 3º O produto da arrecadação total obtida através da captação de apostas ou da venda de bilhetes das loterias municipais, por meio físico ou virtual, será destinado segundo as seguintes diretrizes
I – à seguridade social municipal, devendo ser observado, em cada modalidade lotérica explorada, no mínimo, o percentual destinado pela União para a mesma finalidade;
II – ao financiamento de ações e projetos e aporte de recursos de custeio nas áreas de assistência social, direitos humanos, esporte, cultura e saúde;
III – ao pagamento de prêmios, ao recolhimento do imposto de renda incidente sobre a premiação e a cobertura de despesas de custeio e de manutenção da operação da loteria municipal.
Art. 4º Os valores dos prêmios que não tenham sido reclamados pelos apostadores contemplados no prazo de prescrição previsto em regulamento serão revertidos ao Fundo Municipal de Assistência Social.
CAPÍTULO III
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 5º A Secretaria da Fazenda, diretamente ou por meio de parceria, concessão ou permissão, adotará os sistemas de garantia que julgar convenientes à segurança contra adulteração ou contratação dos bilhetes.
Art. 6º A Secretaria da Fazenda disciplinará a forma da entrega dos valores destinados à seguridade social, ao imposto de renda incidente sobre a premiação e aos demais beneficiários legais.
Art. 7º O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei e a Secretaria da Fazenda editará as normas complementares que se fizerem necessárias.
Art. 8º Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Guarulhos, 07 de maio de 2021.

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