Mais um ano eleitoral se inicia e a conhecida instabilidade da legislação de regência começa a preocupar os atores que visam participar do próximo pleito. Ontem, sábado (4), foi o último dia para as filiações partidárias e o fim da janela de transferência de acordo com as regras em vigor

Afinal de contas, como ficará a situação dos partidos políticos no âmbito municipal que apenas possuem Comissões Provisórias (e não constituíram seus respectivos Diretório Municipais)?

Desde logo é importante trazer a diferença entre ambas as instâncias partidárias:

“Diretórios são órgãos eleitos em convenção com um prazo determinado de vigência, enquanto a Comissão Provisória é um órgão formado por um número bem menor de participantes, designado pela executiva do órgão partidário de instância superior, em regra, com prazo de validade por ela determinado, embora haja comissões provisórias com validade indeterminada […]”.

Embora cada partido político possua, em seus respectivos estatutos, regras próprias para constituição dos seus Diretório Municipais e das suas Convenções Provisórias, tratam-se de fenômenos distintos — e que devem ser estudados à luz da disciplina de cada grei partidária.

A Resolução 23.465/2015 do Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu a necessidade de constituição dos Diretórios Municipais, em substituição às Comissões Provisórias, de acordo com o estatuto de cada partido.

Citamos uma importante observação para a avaliação:

“Está-se aqui diante daquelas situações em que ‘pra quem sabe ler, um pingo é letra’. Ora, se as Comissões Provisórias terão prazo máximo de 120 dias, isso significa que, vencido esse prazo sem a constituição de Diretório, o partido não terá mais órgão regularmente constituído — pois o registro da Comissão Provisória será cancelado. E, se aquele prazo somente é prorrogável para fins de realização da convenção onde os filiados escolherão seus novos dirigentes – isto é, constituirão o Diretório – isso significa que, nem mesmo com a prorrogação, as Comissões Provisórias poderão realizar convenções para escolha de candidatos”.

A situação alarmante não impactou as eleições de 2016 porque o TSE suspendeu a vigência do dispositivo (artigo 39) da Resolução 23.465/2015 por um ano.

A discussão ressurge com o devido relevo para 2020.

Através da Lei 13.831/2019, de 17/5/2019, que alterou a Lei 9.096/1995, o Congresso Nacional prorrogou o prazo das comissões provisórias para 8 anos, que seriam de livre nomeação pelas instâncias estaduais dos partidos políticos:

Art. 3º
[…]
§ 1º. É assegurada aos candidatos, partidos políticos e coligações autonomia para definir o cronograma das atividades eleitorais de campanha e executá-lo em qualquer dia e horário, observados os limites estabelecidos em lei.
§ 2º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir o prazo de duração dos mandatos dos membros dos seus órgãos partidários permanentes ou provisórios.
§ 3º O prazo de vigência dos órgãos provisórios dos partidos políticos poderá ser de até 8 (oito) anos.
§ 4º Exaurido o prazo de vigência de um órgão partidário, ficam vedados a extinção automática do órgão e o cancelamento de sua inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ).

Aparentemente o Congresso Nacional havia resolvido a situação das Comissões Provisórias, que poderiam chegar até 8 anos, resguardados os estatutos do respectivo partido.

Ocorre que, não obstante isso, em 5/9/2019, o Tribunal Superior Eleitoral afastou a aplicação desses dispositivos da Lei 13.831/2019 (em Consulta resposta à Petição 18, Brasília-DF, rel. Min. Sérgio Banhos, julgado em 5.9.2019). A matéria, antes regulada pelo TSE na Resolução 23.465/2015, agora está disciplinada na Resolução 23.571/2018, que prevê:

Art. 39. As anotações relativas aos órgãos provisórios têm validade de 180 (cento e oitenta) dias, salvo se o estatuto partidário estabelecer prazo inferior diverso.
§ 1º Em situações excepcionais e devidamente justificadas, o partido político pode requerer ao Presidente do Tribunal Eleitoral competente a prorrogação do prazo de validade previsto neste artigo, pelo período necessário à realização da convenção para escolha dos novos dirigentes.
§ 2º A critério do relator, o membro do Ministério Público Eleitoral oficiante perante o órgão judicial será ouvido a respeito do pedido, no prazo de 5 (cinco) dias.
§ 3º A prorrogação do prazo de validade dos órgãos provisórios não desobriga o partido de adotar, com a urgência necessária, as medidas cabíveis para a observância do regime democrático a que está obrigado nos termos dos arts. 1º, 2º e 48, parágrafo único, desta resolução.

Como dito, a resposta do TSE ratificou a aplicação dessa Resolução. Recorrendo mais uma vez às lições de Alarcon e Gresta, passados os 180 dias da constituição da Comissão Provisória, “sem a constituição de Diretório, o partido não terá mais órgão regularmente constituído — pois o registro da Comissão Provisória será cancelado. E, se aquele prazo somente é prorrogável para fins de realização da convenção onde os filiados escolherão seus novos dirigentes — isto é, constituirão o Diretório — isso significa que, nem mesmo com a prorrogação, as Comissões Provisórias poderão realizar convenções para escolha de candidatos”.

Ou seja: a situação é preocupante e exige imediata resolução, pois pode impactar profundamente todo o processo eleitoral.

Ainda assim, entendemos por necessário realizar alguns esclarecimentos:

1 – as Consultas do TSE não possuem efeito vinculante, razão pela qual o Tribunal não precisa adotar o entendimento citado neste artigo;
2 – como a Lei 13.831/2019, de 17/5/2019, respeitou o princípio da anualidade, tendo sido publicada antes de um ano do próximo pleito, entendemos que não há outro entendimento possível aplicável às eleições de 2020, sob pena de afronta ao artigo 16 da Constituição da República.

Mas, é claro, o Tribunal Superior Eleitoral pode reafirmar o entendimento da Consulta. Se o fizer, os partidos políticos em todo o território nacional podem enfrentar sérios problemas para lançar seus candidatos.

Por mais que se apresente como uma matéria partidária, aparentemente apenas interna corporis, o TSE tem enfrentado frequentemente a matéria; assim, entendemos que é possível judicializar a lide e, eventualmente, conseguir obrigar os partidos políticos a realizarem os respectivos procedimentos de escolha dos seus Diretórios Municipais. Mas isso deve ser feito cirurgicamente em cada Município contra cada partido que não regularizar a situação do seu Diretório Municipal.

Os próximos dias são decisivos para os partidos políticos e candidatos. Todos devem estar atentos.

O Direito Eleitoral é sempre esse mar de instabilidade. Há muito serviço pela frente.

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