Com o avanço da tecnologia, é incontestável a afirmação de que atualmente as crianças já nascem imersas no meio digital, até porque o acesso às tecnologias se dá, inclusive, pelo uso da televisão. Ele não acontece apenas por acessos a tablets, celulares e notebooks. A pesquisa da TIC Kids Online Brasil 2018 aponta que 86% das crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos são usuárias de internet no Brasil.

Enquanto isso, 74% do público afirma utilizar a internet para pesquisas em trabalhos escolares. No entanto, dentro das escolas, esse fato atinge apenas 40% das crianças; os outros 46% do público não têm esse benefício do acesso nas escolas.

A pedagoga e doutora em psicologia cognitiva, Alena Nobre, explica que crianças da educação infantil já tem contato com o uso de tecnologia digital em casa, pela própria tela da TV e que há, de fato, recomendações para que elas não sejam expostas à tela, mas “com fins de entretenimento”.

“Ela precisa se movimentar, reconhecer o corpo. Se a gente coloca a criança diante de uma tela, ela limita as suas experiências. Precisamos entender quando usamos a tela, que não pode ser usada para distração, mas sim com fins educacionais, numa perspectiva educativa mediada por um adulto. Não é simplesmente deixar a criança exposta à tela, mas entender como pode ser um recurso para que ela veja algo. É possível o uso de tecnologia em sala de aula mesmo com educação infantil porque a nossa vida já está envolta do processo de tecnologia, e o que precisamos é ensinar as crianças como utilizar a tecnologia em nosso favor”.

A pesquisa do TIC Kids Online Brasil de 2019 mostra que 80% dos pais dizem conversar sobre o que os filhos fazem na internet, 77% ensinam o jeito de usar rede social com segurança e 57% sentam junto para utilizar a internet, falando ou participando do que o filho está fazendo.

E é essa perspectiva orientada por Alena, de que para que o uso da tecnologia seja benéfico, ele deve ser mediado. “Quem está fazendo a mediação tem que entender e balizar horários. Regular quantidade de tempo de interação, qual aplicativo de qualidade que está promovendo a interação com a criança. Se tiver um adulto sem essa habilidade, o conhecimento dos processos cognitivos, desenvolvimento socioemocional dessa necessidade motora pode fazer um uso tão exacerbado que vai prejudicar a criança, porque está desmedido. O problema não é a ferramenta, é o uso que a gente faz dela”.

 (Foto: Romulo Chico/Esp DP fotos (@romulo.doc))

Pegamos como exemplo uma escola em operação em Recife-PE. O Diretor pedagógico da Escola Conecta – que insere a tecnologia na sala de aula desde os 4 anos de idade, na educação infantil, até o ensino médio -, Rogério Costa, defende o letramento digital como ferramenta para construção do conhecimento, para o aluno tirar proveito positivo da tecnologia na construção de conhecimento, projeto de vida e fluência digital.

“O aluno chega aqui na escola com uma visão de que a tecnologia é só para jogar e ver a vida dos outros. A tarefa da escola é ampliar as possibilidades da tecnologia. Quando a gente amplia, o aluno começa a ter um novo desenvolvimento e percepção das possibilidades de aprendizagem. É importante a gente educar o aluno para usar a tecnologia em favor da sua formação, a escola não pode fechar isso. É negligência e irresponsabilidade da escola que não gera letramento digital e fluência no espaço”.

Além das matérias da grade curricular, a Escola Conecta dá aula de programação desde o início da formação do estudante, para melhor desenvolvimento de raciocínio lógico e resolução de desafios que, “trabalha, inclusive, questões socioemocionais do aluno, como a persistir, não abrir mão de um objetivo para chegar à resolução que ele deseja”.

“Chamamos as disciplinas de português, matemática, história como componentes curriculares de formação básica. Além delas, o nosso currículo tem disciplinas eletivas que vão integrar desde o 1º da educação fundamental. A partir dos 7 anos de idade -educação fundamental-, o aluno escolhe quais disciplinas vão completar o currículo escolar e, dentre as eletivas, respeitando as faixas etárias, vamos ter designer de game, de imagem, robótica, à disposição do aluno. Do 1º ao 9º ano o aluno tem aula de programação, que a gente chama de pensamento computacional. Ele tem acesso ao letramento digital desde sempre. A gente coloca as disciplinas no mesmo nível de importância das demais, a diferença é que o aluno faz a escolha sobre que área da tecnologia quer explorar. Fora isso, independente de qual seja a disciplina, a tecnologia está presente nas experiências de aprendizagem”. 

 (Foto: Romulo Chico/Esp DP fotos (@romulo.doc))

Ainda em 2021 algumas pessoas entendem que a tecnologia só gera malefícios, e isso faz com que alguns pais, antes de tudo, procurem escolas que proíbam o acesso. Para Alena, a prioridade deve ser a valorização da infância, da comunicação e do brincar. “Usar ou não a tecnologia não deve ser o critério de escolha da escola. A tecnologia está na nossa vida e a criança precisa aprender a viver nesse mundo”.

Ao corroborar com a ideia da pedagoga, Rogério conta que vários pais chegam com receio de que o filho “só vai assistir aula pelo celular e pode fazer o uso indiscriminado”. “É preciso orientar a família, mostrar qual é o espaço da tecnologia dentro do projeto pedagógico. Quando a escola diz que não pode usar o celular, é não usar para quê? Concordo que não é para entrar no Instagram durante a aula, mas ele pode usar o celular para ampliar a informação e trazer novos conhecimentos para discussão em sala de aula”. 

 (Foto: Romulo Chico/Esp DP fotos (@romulo.doc))

O coordenador pedagógico pontua que a tecnologia é apenas uma coadjuvante em todo o processo de aprendizado. “Protagonista é o aluno, e o professor é o intermediador dessa relação. Tudo passa pelo processo de preparação diário, porque o aluno de 10/12 anos tem um domínio do que está acontecendo no mundo digital, e a gente precisa estar antenado e conectado em busca das novidades que eles trazem. A escola não pode não saber o que é um Tiktok. Mas também não adianta oferecer essa formação se não colocar a tecnologia à disposição do aluno e professor”.

“Tudo depende de como a escola está fazendo o uso desse recurso. O problema não é a tela e nem a tecnologia. Na educação infantil ou em qualquer outro segmento a tecnologia pode favorecer, desde que esteja a favor da aprendizagem, e não a favor da dispersão ou mera distração da criança”, completa Alena.

Costa fez, ainda, uma comparação com o método de aprendizagem utilizado há 10 anos. “O aluno hoje está preparado para trabalhar com múltiplas telas, a percepção do mundo que ele tem é totalmente diferente da que se tinha há 10 anos, no tempo que a gente colocava a tecnologia num papel demoníaco que ia tirar o emprego do professor, desvirtuar a atenção do aluno para outras questões, e aprendeu que o professor tem que se ver dentro desse processo como mediador. A gente não pode deixar de adequar a escola a esse novo momento. Passamos por uma revolução digital, e nesse momento de pandemia você imagina como iria sobreviver a escola que tantas vezes colocou o mundo digital como um antro de perdição? O processo de educação não iria ter continuidade se não fosse a tecnologia”.

Pandemia

De acordo com o diretor pedagógico, quando foi feito o anúncio do lockdown por conta da pandemia da Covid-19, por já ter o costume de trabalhar com as tecnologias, a escola só passou uma semana para transferir as atividades escolares para o meio digital.

“Não é só a escola ter a tecnologia. Nos preocupamos em dar formação ao professor para que ele também possa utilizar em favor dele. Nossos professores já estavam preparados, já tinham uma formação. Para fazer o uso dessa tecnologia não foi segredo para o corpo docente da escola, como promover a experiência de aula nas salas virtuais, isso não foi desafiante para a gente. Tivemos que partir para outros processos como orientar a família, adequar as plataformas, estimular o aluno, porque era um novo comportamento que se exigia. Foi um desafio mais ameno para aquela escola que sempre teve a preocupação de oferecer formação para o professor e, principalmente, familiarizar o aluno com a tecnologia”. 

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