Neste 13 de maio, dia em que se lembra o fim do trabalho escravos no Brasil, a população negra não tem muito o que comemorar. Uma pesquisa da Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados) revela que entre os negros ocupados em 2019, 24% não estavam mais trabalhando no final de 2020 na Região Metropolitana de São Paulo, sendo que metade foi para o desemprego e outra metade para a inatividade.

“Pessoas negras foram as mais prejudicadas no cenário da pandemia. Por conta do desempenho desanimador da economia, muitas empresas abriram programas de demissão e realizaram cortes, principalmente de posições operacionais, que contam com a maior participação de negros”, afirma Renan Batistela, especialista em Diversidade & Inclusão da VAGAS.com, HR Tech de soluções tecnológicas de recrutamento e seleção.

A adesão da população negra ao trabalho remoto também foi analisada pelo estudo, divulgado no fim do mês passado. Segundo a Fundação Seade, apenas 17% dos ocupados negros em 2020 passaram para este regime de trabalho, metade da parcela de não negros (34%). Há uma explicação para a discrepância: os negros são a maior parcela de trabalhadores em ocupações não protegidas e em atividades consideradas essenciais, como transporte e serviços de limpeza.

Restrições tecnológicas também podem explicar os números. “Em um momento em que a crise financeira abateu tantas famílias, muitas dessas pessoas não dispõem de acesso à internet, portanto o trabalho remoto se torna uma alternativa impossível”, diz Batistela.

Interessante observar ainda as desigualdades nos mecanismos de proteção à renda. Entre os negros, 33% receberam o auxílio emergencial na Região Metropolitana, enquanto a parcela de não negros ficou em 27%.

A pesquisa mostrou, em suma, que a pandemia fez com que as desigualdades estruturais se acentuassem em um curto período, sendo mais desfavorável para o negro. Foi ele quem mais sofreu com o desemprego, o trabalho informal e a menor renda.

“Diante de tantos desafios, é de extrema importância que as empresas articulem iniciativas de diversidade e inclusão que considerem esses cenários de discriminação, inclusive sobre os vieses que podem influenciar nos processos de demissão. Além das ações de desenvolvimento de retenção daquelas que já estão empregadas, as ações afirmativas são uma forma de incluir pessoas negras no mercado de trabalho e garantir a representatividade”, aponta o especialista.

Trabalhadoras sofrem mais com impactos econômicos da pandemia

Pandemia impacta todos, mas mulheres negras sofrem mais" - Sindicato dos  Bancários de Paranaguá

A pandemia do novo coronavírus gerou diversos impactos na saúde e na economia. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no segundo trimestre deste ano, quando as medidas de isolamento social foram mais rígidas, quase 9 milhões de pessoas perderam seus empregos. Isso significa uma perda 9,6% dos trabalhadores em relação aos três primeiros meses de 2020.

Um estudo da empresa de fertilizantes Famivita apontou os impactos financeiros da pandemia para as brasileiras e constatou que 35% das mulheres perderam seus empregos durante esse período. A professora e pesquisadora do departamento de Serviço Social da UFPB, Leidiane Oliveira, atribui a predileção para demitir as mulheres ao ideal de divisão social e sexual do trabalho estabelecidos pelo capitalismo.

“Em uma lógica trabalhista de desmontes e antidireitos, a busca por lucros também aciona a opressão de gênero, em um processo que deslegitima as conquistas trabalhistas das mulheres. Então, entre garantir o emprego de alguém que se ausenta de quatro a seis meses, por exemplo, para licença maternidade e alguém que não passa por essas circunstâncias, é mais lucrativa a segunda opção”, avalia a professora.

Não é novidade que as mulheres têm dupla jornada de trabalho e com a pandemia essa situação se intensificou. A pesquisa “O trabalho e a vida das mulheres na pandemia” do site Gênero e Número identificou que 50% das mulheres passaram a cuidar de alguém durante o isolamento social; 80,6% passaram a cuidar de familiares, 24% de amigos e 11% de vizinhos.

Essa realidade atingiu mulheres como a administradora Leiliane Sobreira que teve de trabalhar de casa, assim que os decretos de contenção ao coronavírus ficaram mais rígidos. Ela é casada, tem uma filha de dois anos e com o isolamento social ficou a seu cargo também o cuidado do sogro de 82 anos. “Eu consegui trabalhar de cozinheira, babá, cuidadora, enfermeira, empregada doméstica; tudo, menos como administradora. Acabei sendo demitida da empresa, pois não estava cumprindo meus prazos e demandas”, conta.     

A família dispunha do serviço de duas funcionárias, uma cuidadora e uma trabalhadora doméstica, que acabaram sendo demitidas como reflexo da crise financeira.  Mesmo com as dificuldades, Leiliane ainda se sente privilegiada pelo fato do marido ter conseguido manter o emprego e assegurar uma parte da renda familiar.

Desigualdades entre as mulheres

A pandemia afeta mais as mulheres, porém evidencia  as diferenças entre elas. Nem todas podem contar com o privilégio de apoio financeiro ou estão asseguradas do básico. Essa é a realidade da trabalhadora doméstica Denise Silva que cuida sozinha filho. Com a pandemia perdeu sua única renda e não teve seu pedido ao auxílio emergencial aprovado. “Eu tentei o auxílio, mas acho que por estar casada legalmente ainda pode ter contabilizado a renda do meu ex-marido”, acredita.

O levantamento da Famivit aponta que apenas 46% das mulheres que solicitaram o auxílio recebem ou receberam as parcelas de 600 reais, que poderiam subir para R$ 1.200 em caso de chefe de família. Inclusive, apenas 57% das mães com filhos pequenos receberam algum dos auxílios emergenciais do governo.

A dificuldade das mulheres conseguirem manter uma autonomia financeira é consequência da constituição  desigual da sociedade, como explica a professora de psicologia e coordenadora de projetos de extensão sobre relações de trabalho Manuella Castelo Branco. “O sistema de trabalho capitalista se desenvolve baseado na divisão social e sexual do trabalho e patriarcalismo. O que acaba separando a esfera de produção e do trabalho para o homem e a esfera reprodutiva e do cuidado doméstico para a mulher, favorecendo a propriedade privada e o processo de acumulação, por via da exploração do trabalho das mulheres.”

A professora afirma que esses fatores não podem ser analisados isoladamente, uma vez que essa forma de exploração envolve diversos outros tipos de violências. “A desigualdade se expressa entre homens negros e brancos, mulheres negras e brancas, o que sinaliza para a gente que há também diferenças devido à estrutura racista do sistema de produção capitalista no Brasil.”, conclui. O levantamento do Gênero e Número aponta que 58% das mulheres desempregadas durante a pandemia são negras, 2,9% são indígenas ou amarelas e 39% brancas.

Na Paraíba, entre os meses de abril e julho foram desligadas 10.850 carteiras de trabalho de mulheres, segundo informações do Cadastro Geral dos Empregados e Desempregados, o CAGED. Quanto às admissões, nesse período, o SINE-PB revela que 24 homens conseguiram empregos enquanto as mulheres conseguiram 27 vagas. O saldo pode parecer superior, mas nos meses abril, junho e julho nenhuma mulher foi contratada através do SINE. Excepcionalmente o mês de maio foi marcado por essa alta. Em comparação com o mesmo período no ano passado, a diferença de contratação por gênero fica evidente. Dos 895 novos empregados, apenas 262 eram mulheres.

Desigualdade entre níveis hierárquicos

divulgou um levantamento próprio sobre a situação do negro no mercado de trabalho. A conclusão que se chegou foi que esta população vem tendo participação reduzida em cargos de suporte, média e alta gestão.

Os negros representam 8,9% dos cargos de nível pleno ante 13% dos brancos e 12% dos amarelos. Nos cargos de direção é onde se constata a diferença mais acentuada: 0,7% dessas posições são ocupadas por negros enquanto os brancos, amarelos e indígenas aparecem com 2%, cada. Os negros só são maioria frente às demais raças em posições operacionais (47,6%) e técnicas (11,4%).

Em outros níveis hierárquicos, os negros também têm participação menor em relação aos outros grupos. É verificado em níveis de suporte à gestão como júnior (6,3% negros, 8% amarelos e 7% brancos), pleno (8,9% negros, 13% brancos e 12% amarelos) e sênior (3,5% negros, 6% brancos e amarelos, cada). Em cargos de alta e média gestão, a desigualdade racial continua escancarada: supervisão/ coordenação (8,3% negros, 12% amarelos, 11% brancos e 10% indígenas) e gerentes (3,4% negros, 7% brancos e 6% amarelos).

“Estes são dados extremamente alarmantes e que comprovam a clara presença do racismo no mercado de trabalho. Os números mostram que esse público é totalmente discriminado, tendo mais espaço em cargos operacionais”, pontua Batistela.

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