Visando liberar a abertura de cassinos o Brasil, deputados do Centrão consultaram Jair Bolsonaro para saber se o governo apoiaria um projeto neste sentido. A conversa surgiu na última quinta feira (26), durante almoço para discutir liberação de emendas.

Conforme o jornal, Bolsonaro disse aos interlocutores que seria preciso consultar a bancada evangélica, que é contra o projeto, mas admite discutir uma alternativa. O prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos), por exemplo, que é bispo licenciado da Igreja Universal, aceita a autorização do jogo de azar, mas só para exploração de estrangeiros.

O jornal lembra que, na semana passada, Bolsonaro disse a deputados que não concorda com a liberação de caça níqueis porque “pais de família” podem usar o dinheiro do salário para jogar. Mesmo contrário aos jogos, o presidente deu sinais de que há a possibilidade de deixar cada Estado decidir o assunto por conta própria.

Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é favorável à legalização de cassinos, mas restrita a resorts. Um projeto de lei com relatório apresentado em 2016, autorizando a exploração de jogos de azar em todo o território nacional, está pronto para votação em plenário.

Liberação de cassinos é tema inevitável de ser discutido, diz ministro do Turismo

Enquanto deputados do bloco conhecido como Centrão retomaram a ofensiva para liberar a abertura de cassinos no País, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, defendeu a liberação integrada a resorts como uma forma de aumentar o número de visitantes no País.

“A liberação dos cassinos é um tema inevitável de ser discutido nos próximos meses no País. Hoje 93% dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já têm cassinos integrados a resorts. Isso já é uma realidade”, afirmou o ministro.

Ele apontou que o Brasil recebe atualmente cerca de 6,6 milhões de turistas estrangeiros por ano, e a liberação dos cassinos pode ajudar a elevar essa quantidade para até 20 milhões. “O impacto será considerável na economia do País”, alegou.

Questionado sobre as avaliações de que a liberação dos cassinos pode facilitar crimes como a lavagem de dinheiro, o ministro respondeu que o tema precisa ser muito debatido pelo Parlamento com a sociedade, com a participação dos ministérios da Justiça e da Economia.

“Gostaria de envolver a Polícia Federal e a Receita Federal para apresentamos um projeto desmistificando muitas situações que não condizem com a verdade, como evasão de divisas e lavagem de dinheiro”, completou o ministro.

Bancada evangélica avisa que projetos pró-jogos não passam

Se na bolsa de apostas em Brasília há quem veja abertura para a bancada evangélica mudar de posição, o presidente dessa frente na Câmara diz que não tem jogo: o grupo é contra discutir a abertura de cassinos no Brasil e qualquer tipo de liberação da jogatina, e ponto final.

“O nome já diz: jogos atraem azar para a nação, além de ser em abominação aos olhos do Senhor nosso Deus”, afirma o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) à imprensa.

Muitos dos integrantes do bloco, a começar por seu próprio líder, fazem parte do grupo congressista conhecido como centrão -justamente o que tenta convencer Jair Bolsonaro a apoiar projetos de lei que discutem a regulamentação dos jogos no país.

O presidente, que já tinha adotado posição ambígua no passado, disse a interlocutores que sondaria os humores da bancada evangélica, sua forte aliada, para o tema.

A ideia entusiasma sua equipe econômica, mas ele ainda titubeia. Na campanha eleitoral, não descartou o debate: “Há a possibilidade, eu digo uma possibilidade, de jogar para cada estado decidir. Em princípio sou contra, mas vamos ver qual a melhor saída”.

A frente evangélica respondeu com uma nota em que reforça sua disposição a não deixar passar nenhum projeto de lei pró-jogo. Hoje, segundo seu presidente, a coalizão evangélica tem 22% da Casa: 112 expoentes (número que varia de acordo com suplentes que entram e saem quando deputados se ausentam e voltam).

“Todas as bandeiras da frente são pró-vida, família, princípios cristãos, e contra vício, drogas, aborto, suicídio, automutilação. Tudo o que te falei tem a ver com jogos de azar”, diz Silas, que também é pastor da Assembleia de Deus.

“Eles primeiro tiram o que a pessoa tem de luxo na mesa. Ela comia arroz, feijão, bife e depois uma sobremesa, uma fruta. Aí o cara começa jogando e, daqui a pouco, tira a pera, a uva. Logo tira comida. Depois abandona a família, tá endividado, na sarjeta. Como perdeu tudo, mete uma bala na cabeça e se suicida.” Também cita a corrupção que circula num meio que, afirma, é superpovoado por dinheiro sujo, droga, bandidagem.

Sem mencionar qual, menciona um estudo que apontaria: para cada dólar que a economia de Las Vegas ganha, gasta US$ 3 com a “desgraça da periferia, porque no centro tudo é muito bonito, mas na periferia só tem desvalidos, coitados, envolvidos com tudo o que não presta”. Diz Silas: “Jogos de azar geram mais desgraça que resultado. Não é verdade que gera mais divisas”.

O recado tem destinatário: o prefeito do Rio, Marcelo Crivella, colega no Republicanos e também pastor. Bispo licenciado da Igreja Universal, Crivella faz lobby pela aprovação de projetos para voltar com os jogos no Brasil, banidos há 73 anos. Assim, poderia implantar um cassino na cidade.

Isso atrairia milhões de turistas e bilhões de reais ao país, disse à reportagem em entrevista de dois meses atrás. “Agora, você pergunta: mas você é evangélico”¦ Sou prefeito da cidade. Quem acha que é pecado não joga.”

Sua própria igreja já atacou a causa. Em 2017, o jornal da Universal publicou a reportagem “Uma Aposta Furada”, com histórias de quem se deixou cair em tentação e perdeu tudo na jogatina.

Outras congregações evangélicas também mostram aversão à ideia, embora um artigo publicado pela Igreja Presbiteriana de Santo Amaro lembre que muitos templos organizam bingos para arrecadar fundos. “Mas nem por isso quer dizer que sejam jogos que convêm ao crente.”

Historicamente, evangélicos orientam fiéis a não jogar com dois argumentos mestres, afirma o pastor Valdinei Ferreira, da 1ª Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo.

“1) A disciplina protestante no uso do dinheiro. A ideia do dízimo se faz acompanhar da gestão do dinheiro e se opõe à ideia do ganho fácil pela aposta em jogo. Dinheiro se acumula pelo gasto racional e pela poupança. 2) No imaginário evangélico, o ambiente do jogo é associado a bebida, danças, madrugadas passadas fora de casa. Isso se contrapõe às virtudes tradicionais do protestantismo que incentivam o cultivo da família e do trabalho.”

A popularização de apostas feitas em lotéricas e pela internet embaralhou as cartas, segundo Ferreira. “Na prática, introduziram maior tolerância a essas modalidades que estão desassociadas ao ambiente tradicional do jogo. No dia a dia das igrejas presbiterianas não há repreensões a cristãos que façam esse tipo de aposta, embora não haja também nenhum incentivo. A resistência da bancada aos cassinos, ao meu ver, tem a ver com o ambiente não cristão.”

A Folha conversou com pessoas ligadas ao bloco evangélico que admitiram: alguns deputados podem ceder ao lobby para liberar apenas cassinos integrados a resort, proposta de Crivella para o Rio.

O mundo cristão não é unânime no assunto. Entre católicos também há rachas, mas muitos destacam esta passagem do catecismo pregado pela Igreja: “Os jogos de azar (jogo de cartas, etc.) e as apostas não são, em si mesmos, contrários à justiça”.

Mas não há libera-geral. Eles se tornam “moralmente inaceitáveis quando privam a pessoa do que lhe é necessário para suas necessidades e as de outrem”, o que periga acontecer se “a paixão do jogo” virar “uma grave servidão”.

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