Depois de mais de duas semanas de embates entre governo e oposição, proposta foi aprovada com 48 votos, sendo um do deputado mariliense Vinicius Camarinha a favor e 37 contra. Deputados ainda irão votar os chamados ‘destaques’, trechos que podem ser retirados da proposta original.

Após mais de duas semanas de embates entre governo e oposição e recuos do governo Doria, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou no início da madrugada desta quarta-feira (14) o texto-base do pacote de ajuste fiscal para 2021. O texto substitutivo do relator especial designado, Alex de Madureira (PSD), teve 48 votos a favor e 37 contra.

Os deputados, porém, ainda irão votar os destaques, que são trechos que podem ser retirados da proposta original. A sessão foi encerrada por volta de 0h40 e a próxima sessão extraordinária ainda não tem data para ocorrer.

O governo alega que o ajuste fiscal é necessário para conter um rombo de R$ 10,4 bilhões no orçamento de 2021. A proposta aumenta impostos e extingue órgãos públicos, autorizando a demissão de 5.600 servidores.

Para conseguir aprovar o ajuste e conquistar votos, a gestão tucana recuou em pontos polêmicos do texto, através de um substitutivo apresentado pelo líder do governo na Alesp, Carlão Pignatari (PSDB).

Foi retirada do texto, por exemplo, a proposta de extinção de 4 empresas públicas e pontos que levavam ao aumento do Imposto de Transmissão de Causa Mortis e Doação (ITCMD). Outras, como a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU) e a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU), continuam com a previsão de serem extintas pelo projeto.

Foi retirado do texto também a obrigação de retirar a sobra orçamentária das universidades estaduais e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) de 2019, que seriam destinadas à conta única do Tesouro, e agora continuarão com as entidades.

Alvo de críticas de professores e da comunidade científica, esta parte da proposta já havia sido alterada, já que antes previa retirar este caixa também a partir de 2020 e tinha se restringido a 2019.

Veja as mudanças feitas no ajuste fiscal pelo governo para conseguir a aprovação:

Trâmite com alterações

Após duas tentativas, em vão, de levar o texto a discussão na Comissão de Constituição e Justiça e Redação (CCJR), da Alesp, que não conseguiu analisar o texto por falta de quórum, o presidente da Casa, Cauê Macris (PSDB), que, no início da análise, há três meses, não facilitou a tramitação, aproveitou uma brecha no regimento interno e levou o texto direto à plenário para votação.

Foram realizadas, nas três últimas semanas, sessões extraordinárias para tentar votar o projeto, mas nenhuma delas teve o quórum mínimo de 48 deputados para iniciar a votação. A falta de consenso sobre a proposta e ataques de que o texto era inconstitucional e aumentava impostos levou à formação de uma aliança inédita entre legendas antagônicas, como PT, PSL, PSOL e Novo, contra o projeto do governo tucano.

Deputados debatem projeto proposto pelo Executivo, que prevê extinção de 10 empresas do estado e autoriza demissão de 5,6 mil servidores — Foto: Divulgação/Alesp

Tramitação

O texto do projeto de lei 529/2020 foi enviado pelo governador, João Dória (PSDB), em 12 de agosto e devia ter sido aprovado até 30 de setembro para integrar a lei orçamentária enviada à Casa naquele dia pelo governo, e que prevê o que vai ser arrecadado e no que será possível gastar no próximo ano.

O projeto entrou em debate na semana passada no plenário da Alesp em regime de urgência, após não conseguir ser analisado nas comissões, por falta de quórum.

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Veja abaixo quatro pontos que contribuíram para a derrota temporária do governo na tramitação do projeto na Alesp:

1. Reação das universidades

O texto original do texto previa o corte do superávits financeiros de fundações estaduais, incluindo a Fundação Estadual de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), e de universidades, como a USP, da Unicamp e Unesp, e o envio do dinheiro para o Tesouro. Houve críticas da comunidade científica, que argumentaram ser a lei um ataque à autonomia financeira das entidades e que iria paralisar até pesquisas em andamento sobre Covid-19.

Após essa reação, o governo desistiu em parte da ideia e o líder tucano na Casa, deputado Carlão Pignatari, propôs limitar a transferência dos superávits ao orçamento de 2019.

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2. Falta de articulação política

Mesmo o governo João Doria tendo maioria na Alesp, a exemplo das administrações anteriores do Palácio dos Bandeirantes, a nomeação de um relator para o projeto de lei de ajuste fiscal levou mais tempo do que o previsto: 35 dias. O nome escolhido pelo presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR), Mauro Bragato (PSDB), foi Carlão Pignatari (PSDB), líder do governo.

Eles tentaram por duas vezes colocar em discussão o texto na CCJR, mas não foi possível por falta de quórum.

Deputados da base governista demonstram preocupação com a lentidão da tramitação do projeto, que o Palácio dos Bandeirantes contava que seria aprovado até 30 de setembro. Dada a falta de quórum na comissão, Macris nomeou o deputado Alex de Madureira (PSD), da base do governo, relator especial do projeto de lei, para levá-lo ao plenário diretamente.

3. Disputa eleitoral

As eleições municipais deste ano também contribuíram para o projeto não deslanchar. “Não dá para descartar o processo eleitoral como um fio condutor disso. Além do governo insistir com essa pauta em um momento como esse”, diz Paulo Fiorilo (PT), integrante da Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento da Alesp.

Votar a favor de um projeto que extingue estatais e propõe um plano de demissão voluntária no governo do estado é visto por alguns parlamentares como algo que pode fazê-los perder votos nesta eleição. Dez deputados estaduais disputarão diferentes prefeituras, sendo dois deles na capital paulista.

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4. Os pontos que uniram os diferentes

Reunir em um mesmo projeto de lei medidas de naturezas tão diferentes, como aumento de impostos e extinção de estatais, e com variados impactos orçamentários, uniu como já citamos, bancadas que não costumam votar de forma alinhada.

Deputados do Novo atacaram, durante essa semana, a redução de benefícios fiscais, entendida como uma alta da carga tributária. Para os petistas, a extinção das estatais, como a CDHU, por criar unidades de moradia para a população de baixa renda, foi um fator que contou na obstrução.

Já a ala bolsonarista do PSL integra a oposição mais radical a João Doria dentro da Alesp: um grupo ativo nas redes sociais, que já propôs vários pedidos de impeachment contra o governador.

Na votação desta semana, dos 14 deputados do PSL, 11 obstruíram a cotação; todos os dez parlamentares do PT se utilizaram da mesma manobra.

Na oposição, a estratégia seguirá sendo obstruir. Esses parlamentares comparam a hipótese de o projeto ser definitivamente barrado com a vitória, em 2005, do então deputado Rodrigo Garcia, à época no PFL, para a presidência da Casa, contra Edson Aparecido, do PSDB, por 48 a 46 votos. Garcia é hoje vice-governador e principal articulador político de Doria para a aprovação do texto.

É importante destacar que, o ponto crucial da aprovação do chamado pacote das maldades ocorreu graças a um acordo costurado nos bastidores entre a deputada Janaina Paschoal (PSL) e o governador João Doria Jr. Com isso, não tem choro, à partir desta quarta-feira (14), a Alesp já começou a apreciar os destaques do texto.

O substitutivo é do relator especial da matéria, Alex de Madureira (PSD), que incluiu no texto uma emenda aglutinativa da deputada Janaina, que exclui a Fundação para o Remédio Popular (Furp), a Fundação Onconcentro (Fosp), o Instituto de Medicina Social e Criminologia (Imesc) e a Fundação Instituto Terras do Estado de São Paulo (Itesp) da lista de empresas públicas a serem excluídas.

A Superintendência de Controle de Endemias (Sucen), no entanto, não está na lista da deputada. O substitutivo também não mexe nas mudanças no regime de contribuição do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe), propostos no PL do governador, que prejudicará muito os beneficiários do órgão.

Tática

Janaina Paschoal era uma das deputadas que vinham obstruindo as sessões para votar o PL 529, uma tática usada por ela para forçar o governo a aceitar as mudanças propostas por ela ao projeto. Nas sessões iniciadas na noite de terça-feira (13), ela foi muito atacada na tribuna por alguns parlamentares, especialmente os da bancada petista, que lembraram que ela, que é advogada, foi uma das autoras do pedido de impeachment da presidenta Dilma Rousseff em 2016.

O PL 529 ficou 15 dias tramitando no plenário sem que a bancada governista conseguisse levá-lo à votação, devido à falta de quórum.

Dificuldade

Originalmente, o PL 529 previa a extinção de 10 fundações, autarquias e instituições. O governo estadual argumenta que terá um déficit de R$ 10,4 bilhões e que as mudanças trazidas pelo projeto conseguiriam aliviar esse rombo em R$ 8,7 bilhões.

Contudo, esses números têm sido bastante contestados. Na sessão de ontem, o deputado Castello Branco (PSL) explicou, durante uma fala na tribuna, que estudos apontam que a economia será, na verdade, de R$ 500 milhões. “Esse Projeto de Lei suscita (gera) muitas dúvidas. Está na hora de o governo perder ao menos uma batalha nesta Casa”, disse, chamando os deputados a rejeitarem a proposta.

A deputada Professora Bebel (PT) disse que o “projeto não serve à sociedade paulista” e Carlos Giannazi (PSOL) apontou que, em vez de extinguir empresas importantes para a população, o governador deveria cobrar as dívidas de grandes empresas.

O PL 529 chegou à Alesp em 13 de agosto, para ser votado em regime de urgência, e começou a ser debatido em plenário no dia 29 de setembro. Levou 15 dias para que a bancada governista conseguisse colocar a matéria em votação. A tramitação foi tão polêmica que até mesmo deputados de partidos ideologicamente divergentes se uniram contra a medida.

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Na tribuna, o deputado Teonilio Barba (PT) lembrou, em discurso contrário ao projeto na tribuna do plenário da Alesp, a acusação publicada na imprensa de que o governador liberou recursos para conseguir passar o PL. “Foram 500 milhões liberados para que os deputados votassem a favor, sendo R$ 30 milhões para cada um nos orçamentos de 2021 e 2022. Se isso for verdade, é muito grave!”, criticou.

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