Sintomas persistentes em doentes de Covid-19 criam a necessidade de atendimentos e reabilitação, segundo especialistas

As várias sequelas neurológicas, cardíacas, pulmonares, renais e metabólicas observadas em pessoas diagnosticadas com Covid-19, o que cientistas estão chamando de Covid longa ou síndrome longa ou pós-covid, devem se tornar um desafio para os sistemas de saúde de todo o mundo.

Isso porque a síndrome caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas que podem persistir por mais de três meses após o diagnóstico da Covid-19 leva à necessidade de tratamentos e reabilitação – temporários ou vitalícios.

Uma pesquisa publicada na revista Nature em abril indica que a Covid longa deverá ter um grande impacto no sistema de saúde dos Estados Unidos (EUA) nos próximos anos. O levantamento realizado pela Universidade de Washington, nos EUA, com 87 mil pessoas infectadas pelo novo coronavírus, confirmou que, apesar de ser inicialmente um vírus respiratório, as sequelas do Sars-CoV-2 podem afetar quase todos os sistemas orgânicos do corpo. 

Os autores avaliaram 379 diagnósticos de doenças possivelmente relacionadas á Covid-19 nos EUA (veja quadro). Para esses pacientes, foram prescritas 380 classes de medicamentos e realizados 62 tipos de exames laboratoriais. Diante de tal proporção, o coordenador do estudo, Ziyad Al-Aly, escreveu que “não é exagero dizer que as consequências de longo prazo da Covid-19 para a saúde serão a próxima grande crise de saúde dos Estados Unidos”

Outro estudo sobre Covid longa feito com 47 mil pacientes do NHS, o sistema público de saúde do Reino Unido, mostrou que quase um terço dos pacientes com Covid-19 que haviam sido internados com a doença foram readmitidos ao hospital, e um em cada dez morreu em virtude de sequelas causadas pela infecção.  

A pesquisa ressaltou a necessidade de tratamentos multidisciplinares. “O diagnóstico, o tratamento e a prevenção da síndrome pós-Covid requerem abordagens integradas em vez de abordagens específicas de órgãos ou doenças”, destacou o documento assinado por Daniel Ayoubkhani, estatístico do Escritório de Estatísticas Nacionais (ONS) do Reino Unido.

Impactos no Brasil e em Marília

Leitos de UTI no Hospital Ronaldo Gazzola, na zona norte do Rio de Janeiro

Ainda não há dados sobre as consequências da síndrome pós-Covid no Brasil, mas especialistas consultados pela acreditam que ela pode sobrecarregar ainda mais o Sistema Único de Saúde (SUS), “que já sofre com falta de leitos, de profissionais e de equipamentos”, afirma a epidemiologista Gulnar Azevedo e Silva, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

A epidemiologista afirma que o SUS tem a estrutura necessária para os atendimentos dos casos da síndrome pós-Covid, mas para que dê conta de uma demanda crescente, é necessário receber mais recursos. 

Silva lembra que houve cortes no orçamento da saúde para 2021, o que, segundo ela, deve comprometer a gestão de combate à pandemia de Covid-19. “A maior preocupação é o financiamento proposto para a saúde, que é menor do que o de 2017 [R$ 127 bilhões, segundo o governo Federal], que já era insuficiente, e não está considerando todas as condições de pandemia, além dos outros fatores que vão impactar”, afirma.  

O orçamento de 2021 do Ministério da Saúde ficou em R$ 125 bilhões, R$ 2,3 bilhões a menos que o previsto. O valor também é menor do que os gastos da pasta em 2020, que ultrapassaram os R$ 160 bilhões. 

A presidente da Abrasco ressalta que a lotação de hospitais por causa da pandemia represou demandas e atrasou tratamentos de pacientes com câncer e de doentes crônicos, que tiveram cirurgias canceladas ou atendimentos adiados. Silva diz que esta população sofrerá ainda mais com a falta de recursos se aumentar o montante de pessoas com sequelas de Covid-19.

“Faltam condições para contratar mais médicos, enfermeiros e fisioterapeutas que possam fazer a assistência especializada, e depois um acompanhamento, com foco na atenção primária”, conclui.

Marília pode colapsar atendimento se não readequar e ampliar ações de atendimento.

Neste cenário preocupante se enquadra a nossa cidade de Marília com suas 40 PSF’s, uma UPA e um PA. Acrescenta a lista 12 UBS’s que, estão fadadas por vontade da administração a serem transformadas em ESF com a disponibilidade de atendimento de apenas um clínico para uma demanda geral e posterior encaminhamento a já extensa fila de espera nas especialidades.

A falta de médicos e profissionais da saúde já é uma realidade e, pelo visto não existe um plano “B”. O sucateamento da rede municipal pode ser comprovado ao chegar na UPA norte ou no PA sul, e, para piorar em qualquer farmácia, para se deparar com a falta de medicamentos básicos.

Apesar das inúmeras sugestões, como por exemplo a transformação do PA sul em UPA e a implantação de um PA na zona oeste e mais 8 PSF’s mantendo as 12 UBS’s como polo de manutenção, a prefeitura mantém o pensamento de desativação dos antigos postos de saúde, alegando falta de recursos e dificuldade para a contratação de médicos especialistas.

Outra solicitação importante, foi a da implantação de pelo menos uma unidade da AME + na cidade, por reiteradas vezes prometidas em campanhas eleitorais. Em outras palavras, soluções para se evitar o colapso total existem, falta apenas vontade política, humanização e sensibilidade social, em uma cidade, onde deixa-se a transparecer que para classe política que vidas dos marilienses não importam.

Para Gustavo Matta, pesquisador da Escola de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Brasil deveria seguir os exemplos dos países que estão se preparando para as novas necessidades, como os do Reino Unido, a Alemanha e os Estados Unidos, que primeiro incentivaram o distanciamento social e hoje investem na vacinação em massa para contenção do vírus.  

“A crise que estamos vivendo não é somente sanitária, mas afeta diversas dimensões da proteção social brasileira, incluindo o sistema de saúde. Precisamos reagir a isso, planejar para antecipar o impacto da Covid longa”, afirma.

Preparar o SUS para essa nova realidade deve contemplar pelo menos duas ações conjuntas, aponta o pesquisador. A primeira envolve a contenção de casos de Covid-19 através da vacinação, do distanciamento social, e da reabertura epidemiologicamente orientada da economia e dos espaços sociais, com ações coordenadas regional e nacionalmente.

A segunda é criar um plano emergencial de recuperação e fortalecimento do sistema de saúde na atenção primária e em sistemas de proteção e segurança, por meio de programas sociais, já que a pandemia atinge ainda mais a população pobre. 

“Necessitamos de ações de proteção à saúde nos níveis mais próximos da população para evitar que se sobrecarregue a atenção hospitalar. E isso passa por investimentos na atenção básica. Só assim se evita mais cirurgias e mortes”, afirma.

O que diz o Ministério da Saúde

Em nota enviada por e-mail à imprensa, o Ministério da Saúde informou que o orçamento de 2021 foi encaminhado pelo Poder Executivo respeitando a regra de cálculo da aplicação mínima em saúde.

“No decorrer deste exercício, foram abertos créditos extraordinários para o enfrentamento à pandemia no valor total de R$ 10,9 bilhões. Além disso, foram reabertos créditos extraordinários de 2020 no valor de R$ 21,6 bilhões para aquisição de vacinas”, segundo o texto.   

Em relação ao atendimento de pacientes em recuperação da Covid-19, o Ministério afirmou que o SUS possui 226 Centros Especializados em Reabilitação Física e Intelectual (CER) que prestam assistência aos pacientes em recuperação da Covid-19 em 26 estados, além de 38 oficinas ortopédicas e oito itinerantes. Também disse que o Governo Federal repassa, mensalmente, cerca de R$ 50 milhões para a manutenção e qualificação desses serviços. 

A pasta afirma que, em novembro de 2020, lançou o projeto Reabilitação Pós-Covid-19 (REAB) em cinco hospitais do SUS, em cada região do país: Hospital Municipal de Contagem (MG), Hospital de Palmas (TO), Hospital de Base de Brasília (DF), Hospital Geral de Fortaleza (CE) e Hospital Geral do Trabalhador (PR).  “O REAB apresentou um aumento de 26% na evolução dos pacientes em relação a independência motora e funcional. Mais dez hospitais públicos participarão do projeto ainda este ano”, diz a nota.

Sobre os investimentos em atenção básica, o Ministério afirma que, em 2020, o programa Previne Brasil, repassou para municípios e Distrito Federal cerca de R$ 20,8 bilhões para manutenção dos serviços de assistência na Atenção Primária. “Um aumento de 12% com relação a 2019. E que em 2021, já foram repassados mais de R$ 5 bilhões de crédito extraordinário”, finaliza.

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