Ministro votou a favor da execução da pena antes do trânsito em julgado; Julgamento foi suspenso e será retomado nesta quinta-feira, às 14 horas.

O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou nesta quarta-feira o julgamento sobre a prisão de condenados em segunda instância . Após o relator, Marco Aurélio Mello, votar pela prisão somente após esgotados todos os recursos, os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso defenderam a execução da pena já na segunda instância. Deste modo, o placar do julgamento está em três votos a um pela prisão antes do trânsito em julgado. Após o voto de Barroso, Toffoli encerrou a sessão desta quarta-feira. O julgamento será retomado nesta quinta-feira, às 14h.

Moraes afirmou que a tese não ofende o princípio constitucional da presunção de inocência, porque as decisões de segunda instância são devidamente fundamentadas e, antes delas, é dada aos réus o amplo direito de defesa. Ele já tinha defendido essa posição em julgamento na Primeira Turma do STF. Agora, repete sua convicção em plenário.

— Ignorar a possibilidade de execução da decisão condenatória de segundo grau fundamentada, com absoluto respeito ao amplo direito de defesa, é enfraquecer o Poder Judiciário — disse Moraes.

O ministro também rebateu o argumento de que prisões de condenados em segunda instância colaboram para lotar ainda mais os presídios brasileiros. Para ele, prende-se muito no país, mas muitos condenados que não representam grave ameaça poderiam ser submetidos a medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica, em vez de cumprirem pena em presídios.

A decisão acompanha o voto que o magistrado deu em abril de 2018, no caso do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como Moraes entrou no STF em 2017, substituindo Teori Zavascki, morto no mesmo ano, o ministro não esteve presente nos julgamentos de 2016 que trataram do tema.

O relator da Lava-Jato, Edson Fachin, afirmou que é inconstitucional interpretação do art. 283 do Cógiso do Processo Penal no sentido de exigir trânsito em julgado.

— Inviável sustentar que toda e qualquer prisão só pode ter seu cumprimento iniciado quando o último recurso da ultima Corte constitucional tenha sido examinado.

Quarto a votar, o ministro Luís Roberto Barroso manteve a posição que já tinha expressado antes favorável à possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Segundo ele, impedir isso levará a frequentes prescrições e impunidade. O ministro deu como exemplos alguns crimes de grande repercussão em que a pena foi executada apenas muitos anos depois. Entre os casos mencionados, embora sem citar nominalmente, estava o do ex-deputado Paulo Maluf.

— Nada disso estaria acontecendo se os processos demorassem o que têm que demorar: seis meses, um ano, um ano e meio se for muito complexo. Aí poderia esperar. O que não pode é a execução da pena se dar em 12, 14,1,5 18 anos. Recentemente, na Primeira Turma (do STF), condenamos um agente público com pena, porque estava adentrado em anos, mais que octogenário, mas desviava dinheiro desde cedo, viu. Portanto, a punição retardada não é boa para ninguém. Àquela altura da vida, já deveria estar solto, desfrutando os netos — disse Barroso.

Segundo ele, a orientação vigente entre 2009 e 2016, segundo a qual só era possível prender quando não houvesse mais a possibilidade de recurso, era ruim e propiciava injustiça.

— O sistema anterior era muito ruim. Por isso incentivava as prisões provisórias. Os juízes prendem provisoriamente para antecipar uma justiça que eles sabem que não vai acontecer — afirmou Barroso.

Antes de retomar votação

Antes da votação ser retomada no início da tarde, o mais antigo integrante do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, alertou para “surtos autoritários” e “grave intolerância”, agravados por manifestações na internet. Embora o decano não tenha mencionado o episódio, no início da semana um grupo de caminhoneiros ameaçaram invadir a Corte se a regra da prisão em segunda instância fosse derrubada e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, libertado.

— O país vive um momento extremamente delicado em sua vida político-institucional, pois de sua trajetória emergem, como espectros ameaçadores, surtos autoritários, inconformismos incompatíveis com os fundamentos legitimadores do Estado de direito e manifestações de grave intolerância que dividem a sociedade civil, agravados pela atuação sinistra de delinquentes que vivem na atmosfera sombria do submundo digital, em perseguição a um estranho e perigoso projeto de poder, cuja implementação certamente comprometerá a integridade dos princípios que informam e sobre os quais se estrutura esta República democrática e laica — afirmou.

O discurso foi feito em homenagem aos dez anos de posse do presidente da Corte, Dias Toffoli, em uma das cadeiras do STF. Celso de Mello ressaltou que, neste momento, é essencial que juízes e tribunais ajam com liberdade, imunes a pressões ilegítimas e com independência moral. Ainda no discurso, o decano afirmou que o STF não se curvará a pressões.

— Neste singular momento em que o Brasil, situando-se entre o seu passado e o seu futuro, enfrenta gravíssimos desafios, parece-me essencial reafirmar aos cidadãos de nosso país que esta Corte Suprema, atenta à sua alta responsabilidade institucional, não transigirá nem renunciará ao desempenho isento e impessoal da jurisdição, fazendo sempre prevalecer os valores fundantes da ordem democrática e prestando incondicional reverência ao primado da Constituição — declarou.

Toffoli se emocionou com a homenagem e, com a voz embargada, lembrou do dia em que, quando ainda era advogado e morava em São Paulo, foi recebido por Celso de Mello no gabinete.

— Naquele dia, decidi que  me mudaria para Brasília — disse, completando: — Posso dizer o seguinte: valeu a pena.

Voto do relator

Para Marco Aurélio, a prisão sem trânsito em julgado só deve ser permitida nos casos previstos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP), que diz: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

— Indaga-se: perdida a liberdade, vindo o título condenatório e provisório, porque ainda sujeito a modificação por meio de recurso, a ser alterado, transmudando-se condenação em absolvição, a liberdade será devolvida ao cidadão, àquele que surge como inocente? A resposta é negativa — disse Marco Aurélio, repetindo voto que já deu no passado.

Ele também foi contra uma eventual decisão que opte pelo meio-termo: execução da pena após análise do caso pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que funcionaria como uma terceira instância.

— Uma coisa é ou não é, não havendo espaço para o meio termo — disse o relator.

Lula

O ex-presidente Lula Foto: Nelson Almeida / AFP
Foto: Nelson Almeida / AFP

OO ex- presidente Lula foi condenado em dois processos da Lava-Jato, mas apenas um já teve condenação em segunda instância, o do tríplex do Guarujá. O petista também já teve a condenação confirmada nesse caso pelo STJ. Caso o STF entenda que a prisão só pode ocorrer após o fim do processo, ele pode ser solto.

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