Pleito deste domingo coloca católicos e evangélicos em disputa para ocupar organismo de apoio a políticas sobre juventude. Veja como participar da votação que é aberta a todos os eleitores do país.

O Brasil mal saiu de umas conturbadas eleições gerais e já vive, neste ano, outra campanha eleitoral igualmente polarizada: a dos Conselhos Tutelares, organismos presentes em praticamente todas as cidades brasileiras e responsáveis por zelar pela proteção de crianças e adolescentes.

Neste domingo, 6 de outubro, de 8h às 17h, pessoas a partir de 16 anos com título de eleitor e em situação regular com a Justiça Eleitoral poderão escolher o seu candidato ou candidata para atuar no conselho defendendo os direitos da criança em uma escola próxima de sua residência, conforme locais já amplamente divulgados.

lei que criou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê que a escolha de novos conselheiros, que possuem mandato de quatro anos, devem acontecer simultaneamente em todos os municípios do país um ano depois do comício presidencial. As eleições são abertas a todos os eleitores, mas o voto não é obrigatório.

A particularidade de 2019 é que a polarização da disputa eleitoral do ano passado se repete, agora com o componente religioso ainda mais forte. Como o voto é facultativo, organizações e sobretudo igrejas se esforçam para engajar eleitores no dia da votação. Os assentos nos conselhos municipais estão sendo ferozmente disputados por católicos e evangélicos, que desejam influenciar nas políticas gerais e principalmente naquelas voltadas para crianças e adolescentes, conforme relatou a BBC Brasil. 

Temas como ideologia de gênero e sexualidade nas escolas permeiam as redes sociais, onde os candidatos nem sempre abordam questões que estão relacionadas a atuação dos conselheiros. Para que fique claro, entre as atribuições do Conselho Tutelar estão:

a) Fiscalização das entidades de atendimento.

Os Conselhos Tutelares, juntamente com o Ministério Público e a Autoridade Judiciária, podem fiscalizar as entidades e dar início a procedimento destinado a apuração de irregularidades em entidades governamentais e não governamentais. As entidades de atendimento são as que executam os programas de proteção e sócio-educativos. As governamentais são as da administração direta ou indireta, criadas e mantidas pelo Poder Público, e as não governamentais são as particulares, de natureza privada.

Para exercer esta função, os conselheiros têm livre acesso a qualquer entidade, não podendo ser obstado o seu ingresso. Aliás, embaraçar ou impedir a ação do Conselho Tutelar é crime punido com detenção de 6 meses a 2 anos. Deverão fazer a visita à entidade, verificando, basicamente, o cumprimento do artigo 94, do ECA, elaborando um termo de visita ou de inspeção.

b) Instauração de procedimento judicial de apuração de irregularidades em entidade.

O Conselho deve fazer uma representação, onde consta o resumo dos fatos, objetivando a aplicação de penalidades administrativas, que estão previstas no artigo 97 do ECA. Estas medidas, que vão desde a advertência até a suspensão das atividades, são aplicadas pelo juiz, através de procedimento onde se garante a ampla defesa ao dirigente de entidade denunciada. Pode-se, também, pedir o afastamento liminar e provisório do dirigente da entidade se estiver evidenciado motivo grave.

c) Instauração de procedimento de apuração de infração administrativa às normas de proteção à criança e ao adolescente.

A Lei 8.069/90, nos seus artigos 245 a 258, tipifica diversas condutas como infrações administrativas, sujeitando os infratores a penalidade pecuniária e outras.

Para aplicação de tais penalidades prevê o ECA um procedimento judicial, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa para aquele que foi acusado de desrespeitar norma de proteção à infância e à juventude. O procedimento deverá ser iniciado por representação, com descrição da ação ou omissão que caracteriza a infração, sua classificação legal, a identidade de seu autor. Não é possível a instauração de procedimentos para apuração de infração administrativa via auto de infração lavrado por Conselheiro Tutelar, sem determinação certa do fato imputado e não propiciando a ampla defesa do representado. Pode ser utilizado um auto de constatação para instruir (acompanhar) o requerimento. Houve um caso, que será examinado pelo Tribunal de Justiça do Paraná, de instauração de procedimento com mero ofício dirigido por Conselho Tutelar ao Juízo. No pronunciamento do Ministério Público levantou-se a nulidade absoluta do processo, que deve ser conhecida independentemente de argüição dos recorrentes, porque não há instauração do procedimento através de simples ofício, sem que se determine claramente a “acusação”.

d) Atendimento às crianças e aos adolescentes cujos direitos encontrem-se ameaçados ou lesados.

Quando menores de 18 anos têm seus direitos violados ou ameaçados, seja por omissão ou ação da sociedade e do Estado (por exemplo, criança vitimizada por diretores de creches, adolescente excluído do ensino fundamental por falta de vaga, etc), seja em decorrência de falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis (por exemplo criança abandonada, vítima de maus tratos etc) ou em razão da própria conduta (viciado em substância entorpecentes, fugitivo da residência, prostituído etc), ou seja, de crianças e adolescentes nas situações previstas no artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente, são destinatárias das medidas de proteção elencadas no artigo 101 da mesma lei. O Conselho Tutelar, atendendo tais casos, tem atribuição de aplicar as medidas de proteção do artigo 101, incisos I a VII (excluindo-se, portanto, a colocação em família substituta que depende sempre de procedimento judicial). O Conselho decide o caso e tais decisões devem ter origem de um procedimento previamente disciplinado no seu Regimento Interno, de sorte que todos os atos praticados para instruir a decisão sejam formalizados. Isto é imprescindível para se aferir a legalidade das decisões do Conselho, que são sujeitas à revisão judicial mediante provocação por quem tenha legítimo interesse (art. 137, ECA).

e) Atendimento à criança autora de ato infracional.

Quando uma criança (pessoa com menos de 12 anos) praticar um ato infracional (crime ou contravenção), o Conselho Tutelar pode aplicar as medidas de proteção do artigo 101,incisos I a VII, do ECA.

f) Atendimento aos pais ou responsável.

Quando a criança ou o adolescente se encontrarem em situação de ameaça ou violação de seus direitos em razão de omissão ou abuso dos pais ou responsáveis (art. 98, II), chegando o fato ao conhecimento do Conselho Tutelar, os pais poderão ser aconselhados ou receber qualquer das medidas previstas no artigo 129, ECA, com exceção às medidas de perda de guarda, destituição da tutela, suspensão ou destituição do pátrio poder. Deve ser seguido procedimento previsto no Regimento Interno.

g) Promoção da execução de suas decisões.

Isto se dá via requisição ou representação. Requisição significa ordem a ser cumprida, sempre se aferindo a possibilidade de cumprimento. Se, requisitado o serviço, não for prestado, o Conselho apresenta representação para a autoridade judiciária para as providências.

h) Encaminhamento ao Ministério Público de notícia de fato que constitua infração administrativa.

Como já mencionado, o Conselho Tutelar tem legitimidade para provocar a apuração de infração administrativa, mas pode optar por encaminhar a notícia ao Promotor, através de ofício circunstanciado. Esta providência deve ser reservada para os casos mais complexos.

i) Encaminhamento ao Ministério Público de notícia de fato que constitua infração penal.

A regra é a de que o Promotor de Justiça promova a ação penal para apuração de crimes e contravenções. Tem o poder de requisitar a instauração de inquérito policial. Considerando tais aspectos, o ECA determina que o Conselho Tutelar encaminhe ao Ministério Público notícia de fato que constitua ilícito penal, para que promova as medidas criminais cabíveis.

j) Encaminhamento ao Juiz dos casos de sua competência.

A competência do Juiz de Infância e da Juventude está elencada no artigo 148, incluindo a de conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis. Quando o Conselho Tutelar tiver conhecimento de fatos que ensejam providências judiciais, terá que encaminhar ao Poder Judiciário.

k) Execução de medida de proteção ao adolescente infrator.

O ECA permite ao juiz que determine o cumprimento de medida de proteção ao adolescente autor de ato infracional e delegue a execução ao Conselho Tutelar. Por exemplo, que haja o controle pelo Conselho Tutelar da freqüência à escola.

l) Expedição de notificação.

Não se trata propriamente de atribuição, mas de instrumento para que desempenhe suas funções. Sempre que houver necessidade de dar ciência a alguém para que faça ou deixe de fazer algo, deverá expedir notificação. Por exemplo, notificação para comparecimento.

m) Assessoria ao Poder Executivo na elaboração da proposta orçamentária.

Na atuação diária, os Conselheiros têm conhecimento das necessidades e demandas na área da criança e do adolescente, devendo procurar o Poder Executivo e, liminarmente, conhecer a proposta para a área da infância e da juventude, estudando alternativas que melhor atendam a população infanto-juvenil, repassando suas sugestões. Esta atribuição tem bastante vinculação às atribuições dos Conselhos de Direitos.

n) representação, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no artigo 220, § 3º, inciso II da Constituição Federal.

Diz respeito à garantia para a pessoa ou a família se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem os princípios indicados na Constituição Federal, como a preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas e o respeito aos valores éticos e sociais da família e da pessoa. O ECA, por sua vez, prescreveu infrações administrativas diretamente relacionadas com a comunicação social rádio-televisiva (arts. 253 e 254), que, em síntese, decorrem da obrigação das emissoras de somente exibir, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, bem como somente transmitir seus programas com prévio aviso de sua classificação.

Em razão da existência das infrações administrativas previstas no ECA e considerando a amplitude dos dispositivos constitucionais, entende-se que a expressão representação foi em sentido amplo, sendo destinada para a apuração de infração administrativa, mas também toda e qualquer reclamação ao Ministério da Justiça, ao Departamento de Classificação Indicativa, ao Ministério Público, etc. para que sejam adotadas as medidas pertinentes.

o) Representação ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder.

Quando o conselho detectar situação que enseje a perda ou suspensão do pátrio poder, deve representar ao Promotor de Justiça para que se avalie a possibilidade de ingresso com ação de destituição ou suspensão. São causas de destituição o castigo imoderado ao filho, o abandono, a prática de atos contrário à moral e aos bons costumes, descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação, bem como da obrigação de cumprir ou fazer cumprir as determinações judiciais. A suspensão pode ocorrer quando há abuso de poder pelos pais, falta aos deveres legais, administração ruinosa dos bens dos filhos.

p) Requisição de certidões de nascimento e de óbito.

O Conselho Tutelar tem a atribuição de requisitar a certidão da inscrição do nascimento ou do óbito ao Cartório do Registro Civil. Isto não significa, por óbvio, que pode determinar o registro do nascimento, atribuição privativa da Autoridade Judiciária.

Diante da relevância das atribuições, o Estatuto da Criança e do Adolescente criou duas figuras infracionais vinculadas à atuação dos conselheiros tutelares.

A primeira, de natureza penal, que está no artigo 236, tipifica como crime o impedimento ou embaraço da ação do Conselho Tutelar no exercício de sua função. A segunda, de natureza administrativa, que se revela no descumprimento de determinação do Conselho Tutelar.

A disputa entre católicos e evangélicos foi abraçada publicamente pelas instituições religiosas. A Arquidiocese de São Paulo, por exemplo, vem publicando várias notas incentivando a participação dos católicos nos conselhos tutelares. Na última, publicada no dia 4 de outubro no jornal O São Paulo, Sueli Camargo, que é coordenadora arquidiocesana da Pastoral do Menor, afirmou: “Quando nos ausentamos, deixamos espaço aberto para outras denominações religiosas, como os evangélicos, que estão presentes não só nos conselhos, mas em diversos campos da política e nem sempre estão preparados para ocupar esses cargos. É importante retomarmos essa participação enquanto Igreja, com o objetivo de promover a vida e garantir os direitos”.

Já a Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, dono da TV Record, publicou em seu portal no dia 15 de setembro um texto intitulado Conselho Tutelar: é nosso dever participar. Nele, exortava seus fiéis a votar em candidatos religiosos: “É importante ter pessoas com valores e princípios e que, acima de tudo, tenham compromisso com Deus”.

Os evangélicos vêm tomando o espaço da Igreja Católica nas últimas décadas, o que ajuda a explicar a disputa entre os dois grupos nos Conselhos Tutelares — apesar de compartilharem visões similares sobre assuntos comportamentais. Hoje, evangélicos representam 30% dos 200 milhões de brasileiros, algo que se reflete no crescimento da bancada evangélica na Câmara dos Deputados.

Após assumir, o presidente Jair Bolsonaro nomeou a pastora Damares Alves para o Ministério da Família dos Direitos Humanos, prometeu nomear um ministro do Supremo “terrivelmente evangélico” e foi a estrela principal da Marcha de Jesus em junho deste ano, entre outros acenos ao eleitorado evangélico, que foi importante para impulsionar sua candidatura. Em meio a essa disputa, eleitores laicos que sequer sabiam que podiam votar para os Conselhos Tutelares começaram a se mobilizar nas redes, espalhando listas com candidatos igualmente laicos e progressistas.

Onde e como votar

Cada cidade brasileira possui ao menos um Conselho Tutelar, composto por cinco membros eleitos. Os municípios podem definir o número de conselhos de acordo com seu tamanho e demanda. São Paulo, a localidade mais populosa do país, possui 52 conselhos tutelares com um total de 260 integrantes. Já em Marília, o Conselho local é constituído de 10 pessoas.

As eleições de domingo acontecerão de 8h às 17h. Cada município organiza o seu próprio pleito e cria regras próprias. As informações sobre os locais de votação devem ser buscadas nas prefeituras, nas secretarias municipais que tratam dos direitos de crianças e adolescentes, na Justiça Eleitoral e nas próprias sedes dos conselhos.

Os interessados em votar precisam ter mais de 16 anos e estar regularizado com a Justiça Eleitoral, além de cadastrados nos tribunais regionais eleitorais até 14 de junho deste ano. O voto não é obrigatório. Caso decida exercer seu direito, o eleitor deverá apresentar título de eleitor e documento de identidade original com foto, ou o aplicativo e-título, da Justiça Eleitoral. 

Os salários dos conselheiros devem ser definidos pelas Câmaras de Vereadores — e variam de 1.500 até 5.000 reais, dependendo da região, segundo dados do antigo Ministério do Trabalho. Em nossa cidade o teto está em torno de R$ 3.000 mil reais.

Para ser candidato basta ter reconhecida a idoneidade moral, ter mais de 21 anos e residir na cidade que vai atuar. Há prefeituras que aplicam provas de redação, português e matemática antes da votação, com o objetivo de pré-selecionar os candidatos, como foi o caso de Marília. Outras administrações exigem experiência na área de serviços sociais, tempo mínimo de moradia na cidade ou escolaridade mínima.

COMPROMETIMENTO

Em meio a todas essas orientações, o JORNAL DO ÔNIBUS de MARÍLIA destaca que, um fator muito importante é o comprometimento da pessoa que vai ocupar o cargo. Em alguns casos, a pessoa apenas concorre por fins financeiros ou políticos e ao assumir o cargo, acaba se conflitando com os problemas diversos que ocorrem no dia a dia das crianças. Nossa reportagem teve acesso a casos de conselheiras que se arrependeram de assumir o posto, mas, continuaram por razões familiare$$$$. Portanto, esse é um processo eleitoral sério, que exige pessoas comprometidas com a causa e, quem conheçam e gostem de desempenhar a função.

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