Precedente foi criticado, antes de julgamento, por diversas entidades.

O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, nesta quarta-feira, 29, que veículos jornalísticos podem ser condenados por entrevistas, caso houver “indícios concretos” de falsidade da acusação. A tese vencedora é de autoria do ministro Alexandre de Moraes.

De acordo com o juiz do STF, a liberdade de imprensa tem de ser consagrada com “responsabilidade”. Por isso, não é um direito absoluto. Conforme o magistrado, embora não se admita censura prévia, é possível responsabilizar a publicação por “informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas”.

Segundo o texto aprovado, a plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio “liberdade com responsabilidade”, vedando censura prévia, mas admitindo análise e responsabilização posterior. Essa responsabilização pode incluir a remoção de conteúdo por informações injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas e danos materiais e morais.

A Corte se debruçou sobre a disputa entre o jornal Diário de Pernambuco e a família do ex-deputado federal Ricardo Zarattini Filho, morto em 2017. O jornal foi condenado a pagar indenização pela publicação de uma entrevista em 1995, na qual o entrevistado acusou o então parlamentar de um atentado a bomba no aeroporto de Guararapes (PE), em 1968.

O que diz a tese vencedora de Moraes no STF sobre veículos jornalísticos

Em seu voto, Moraes observou: “A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”.

A tese ponderou que, na hipótese de publicação de entrevista na qual o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se:

À época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação;
O veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.

O julgamento vinha gerando reações de entidades que defendem a liberdade de imprensa no Brasil. Nove organizações, incluindo a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e a ONG Repórteres Sem Fronteiras, manifestaram preocupação com a possibilidade de “autocensura” nos veículos de comunicação, dependendo da decisão dos ministros.

Decisão do STF faz do jornalismo atividade de risco, diz advogado

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autoriza a responsabilização de veículos jornalísticos pelas declarações de entrevistados pode levar as redações à autocensura. A avaliação é do advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em liberdade de expressão.

– O que o STF fez foi praticamente tornar a atividade jornalística uma atividade de risco. Ocorre que o exercício da liberdade de imprensa é um direito e transformar o exercício do direito em um risco é absolutamente contraditório”, afirma.

– É um entendimento totalmente equivocado do papel da imprensa.

O STF decidiu que jornais, revistas e portais jornalísticos podem ser punidos na esfera cível por declarações de seus entrevistados contra terceiros se houver “indícios concretos” de que a informação é falsa. Para o advogado, a decisão é inconstitucional.

– O STF engessa a possibilidade do jornalístico político, o jornalístico investigativo, ter fôlego para que o tempo possa comprovar que a versão divulgada é correta – defende.

– A entrevista ao vivo também passa a ser um risco jurídico.

Marsiglia avalia que os parâmetros usados pelo STF são genéricos e podem abrir caminho para o assédio judicial a jornalistas.

– O problema é saber o que são indícios concretos. Uma decisão liminar determinando a remoção de um conteúdo, totalmente reversível, pode ser entendida como um indício concreto. Mas pode também ser uma agência de checagem, um fato consensual, esse é o perigo – alerta.

O advogado explica que a tese fixada pelo Supremo foi uma adaptação, para os veículos da imprensa, das exigências previstas no PL das Fake News para as plataformas digitais.

– O que está sendo estabelecido agora para a imprensa é mais ou menos o que se pleitou para as big techs. Da mesma forma que as plataformas são responsáveis pelo conteúdos publicado pelos usuários, a imprensa se torna responsável pelo conteúdo do seu entrevistado – lembra.

– Mas a imprensa cria e pauta o debate público. Podá-la da mesma forma que se pretende poder um usuário de rede social é absolutamente inconstitucional.

Não há, no entanto, espaço para revisão do julgamento. Os recursos no STF estão esgotados. A decisão poderia ser contestada em uma ação de constitucionalidade, mas o próprio Supremo Tribunal Federal ficaria encarregado de analisar o processo. Uma alternativa poderia ser a via legislativa, com a edição de legislação para regulamentar o tema, ou a modulação dos efeitos do julgamento pelo próprio STF, a partir da análise de casos concretos que chegarem ao tribunal.

– Na prática, o que pode acontecer de melhor é o STF perceber que a decisão é inconstitucional e rever o seu entendimento – avalia Marsiglia.

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