Você tem o costume de checar o WhatsApp a cada cinco minutos — ou perde o foco de qualquer coisa que esteja fazendo quando chega uma notificação. Todos os seus assuntos giram em torno do Instagram: suas referências de moda, beleza, restaurantes e até atualizações sobre a vida de amigos e conhecidos. Na hora de dormir, abre o Tik Tok para dar boas risadas, e quando se dá conta, já perdeu várias horas de sono.

Bem-vindo ao mundo dos conectados 24 horas. A necessidade de estar sempre presente e o medo de ficar longe do telefone e de “estar por fora” do que está acontecendo na internet podem significar um problema sério para a sua saúde mental: a dependência de redes sociais.

O uso da internet disparou com o isolamento, mas, um ano depois, tem muita gente cansada de tanta exposição on-line. Agora, é a vez do detox digital. Cada vez mais, as pessoas estão aderindo à proposta de ficar longe das mídias para se “desintoxicar” do vício de estar sempre ligado.

A pandemia acentuou ainda mais esse fenômeno. Com o distanciamento social, as interações sociais foram reduzidas, e a vida passou a ser vista a partir das janelas das redes em recortes muito bem emoldurados. Sem as interações sociais, o que antes era contado em uma mesa de bar, em um jantar entre amigos ou em uma pausa para o café no trabalho passou a ser transmitido pelo filtro das mídias. E eles não contam a história inteira.

Nesse cenário, a relação com esse tipo de plataforma passou a se consolidar em um paradoxo. Enquanto você usa as redes para preencher o tempo livre e driblar a ansiedade ocasionada pela solidão do isolamento, o passatempo se torna um vício, as comparações se tornam motivo de estresse, e a saúde mental sofre mais um baque.

glamour da vida alheia

Foi o que aconteceu com A. C. N, 26. Enquanto estava produzindo o trabalho de conclusão de graduação, no ano passado, ela se deparou com o registro de que passava de quatro a cinco horas por dia usando o Instagram.

“Eu pensava estar muito ansiosa para começar a escrever, então rolava a timeline em busca de inspiração. Isso, no entanto, me deixava mais ansiosa ainda: eu via as outras pessoas, e me estressava por precisar terminar meu TCC para ter uma vida tão glamurosa quanto a delas”, compartilha.

Horas depois, ela se sentava para escrever, mas com a vista cansada e a mente exausta, durante a madrugada, acompanhada pelo sentimento de culpa “por não ter feito nada o dia inteiro”.

Até que ela decidiu desconectar a própria conta, e as coisas começaram a fluir com mais tranquilidade. “O TCC, na verdade, foi o estopim. Eu percebi que minha relação não estava saudável nem com as minhas obrigações, nem com meu uso das redes, por me comparar tanto aos outros”.

Sair das redes e buscar acompanhamento psicoterapêutico contribuiu para que ela voltasse, três meses depois, com uma postura mais confortável.

Sumiço

F.O.V, 50, conversando conosco, foi até, de forma indireta, a responsável pela ideia de se produzir esta matéria. Em um bate comum, ela nos relatou que tirou uma semana de férias de sua loja e viajou com o marido para umas férias na casa de uma parente em uma estância turística a quilômetros daqui, em outro estado.

Ocorre que o local onde ela mora, é lindo e maravilhoso, mas não possui sinal de internet. Em assim sendo, fomos forçados a fazer uma parada, porém, simultaneamente, nos mostrando um outra rotina diária plenamente saudável e enriquecedora em todos os aspectos.

“Nos libertamos da escravatura digital. Aquele negócio de dar uma olhadinha a noite no celular antes de dormir ou no café da manhã e demais momentos foi quebrada e percebemos que não perdemos nada. Valorizou o diálogo e nos trouxe inúmeros benefícios, tanto é que quando voltamos, resolvemos construir novas regras no domínio das redes sociais, apenas para uso comercial e olha lá. O dia se torna muito mais produtivo e criativo”, concluiu ela.

M. B, 31, também resolveu se desligar das redes, mas foi além e incluiu o WhatsApp, por um mês. Sem precisar usar a rede social para o trabalho, ele ponderou que os amigos próximos e familiares têm o costume de fazer ligações, e que a rede estava surgindo como um motivo de cobrança e ansiedade, ao contrário de agregar.

“O que eu estava vendo nas redes passou a me incomodar muito. No meio de uma crise sanitária, com milhares de pessoas morrendo, eu vi pessoas muito queridas vivendo como se nada estivesse acontecendo. Essa cobrança sobre elas começou a me desgastar, e eu decidi fazer uma pausa”, lembra.

A experiência, segundo ele, foi bastante interessante. “Foi incrível. Para mim, o dia rendeu, e eu consegui focar mais nos estudos e no trabalho”, garante. Por outro lado, “teve gente que achou que eu tinha morrido. Estavam preocupados, perguntando se eu tinha bloqueado alguém, dizendo que iriam ligar para minha mãe”, lembra.

Sinais de alerta

“Com a superexposição, que agora é uma realidade, a tecnologia nos tornou concorrentes de nós mesmos. Precisamos de curtidas, das postagens e da sensação de ser vistos”, pondera o psicólogo e escritor Marcos Lacerda.

“Terminamos ficando reféns disso, e a tecnologia não vai andar para trás. Porém, é preciso que ela me pertença, e não que eu pertença a ela”.psicólogo Marcos Lacerda

Alguns sinais, simples de serem identificados, podem provar que você está levando seu estilo de vida nas redes um pouco além da conta. A professora Suely Sales Guimarães, do Instituto de Psicologia (IP) da Universidade de Brasília (UnB), fez uma lista de comportamentos comuns, mas que merecem ser repensados, por esta razão foram coletados pelo JORNAL DO ÔNIBUS DE MARÍLIA.

  • Se você fica sem bateria, entra em um processo de ansiedade enorme, imaginando que alguém quer falar com você — mesmo que não esteja esperando nenhum contato importante. O carregador e uma bateria extra também são inseparáveis, para evitar a tragédia de ficar sem bateria e não ter como carregar.
  • Quando acorda, a primeira coisa que faz no dia é checar o celular, e fazer uma ronda, começando pelo WhatsApp até cumprir a lista de redes que usa.
  • Se, por algum motivo, você acorda de noite, seja com um sonho ruim, ou um barulho, acaba dando uma passadinha pelo telefone, só para saber se está tudo certo — mesmo no meio da madrugada.
  • Se você saiu com amigos — com máscara, distanciamento e cuidados necessários — precisa postar a foto naquele momento e acaba deixando de conviver com os presentes. “Só leva 10 segundos, não tem problema”.
  • Na hora do banho, o celular entra no banheiro junto. E se chega uma notificação, você até manda áudio com o barulho do chuveiro ao fundo.
  • Enquanto está dirigindo, o celular está sempre ao alcance das mãos. Mesmo que você cumpra as leis de trânsito e resista à vontade de dar uma olhadinha, ele tem sim que estar por perto.

Lógica do Instagram

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L. C, 24, percebeu estar se preocupando muito com postar nas redes sociais as coisas que fazia, “para provar que elas tinham realmente acontecido”. Ela então resolveu desativar as contas pela primeira vez no ano passado e, de tempos em tempos, tenta excluir os aplicativos e aderir apenas à versão desktop, que geralmente tem pior usabilidade, para reduzir as horas dedicadas a rolar a timeline.

“Eu parei porque estava incomodada, fiquei um mês distante, mas percebi que o problema não eram as redes sociais, e sim meu jeito de lidar com as coisas. Eu acho que o caminho não é o afastamento das redes, e sim conviver com elas de forma saudável”, acredita.

Vivemos em uma sociedade em que todos já pensam em uma lógica que engloba o Instagram, então é muito difícil viver fora dessa “bolha”. M. B, 24, conta que ficou um tempo fora das redes e sentiu falta justamente do que elas têm de interessante a oferecer.

“Eu fiquei sem saber sobre coisas boas que meus amigos estavam compartilhando, e sem fazer parte da vida deles também — ao compartilhar vitórias. Também tive dificuldades em acessar páginas de estudos, ou conteúdos interessantes que me agregam, porque estava com o Instagram bloqueado”, lembra.

Relação saudável

O segredo para se dar bem e encontrar o equilíbrio é investir em autoconhecimento, organização e respeitar os próprios limites.

“Esse uso não deve ser excluído. A questão é que justamente a pessoa tenha horários, critérios, momentos para usar as redes e escolha muito bem quem ela segue e com quem ela conversa”, aconselha a psicóloga e professora Suely.

Confira algumas dicas para quem não precisa do detox, mas quer ter relações mais harmoniosas com o universo on-line:

  • Na hora de acordar, crie o costume de só checar o celular 30 minutos depois de estar de pé.
  • Reserve um horário para conversar nas redes sociais. Nada de fazer isso enquanto almoça, por exemplo, ou durante o horário de trabalho
  • Se quiser reservar um momento apenas para explorar a rede, decida um momento específico, e que ele seja limitado.
  • E quem você vai seguir? Não vai ser aquela pessoa com a vida perfeita, que te deixa para baixo.
  • Escolha amigos próximos e perfis que te fazem bem. Ao menor sinal de incômodo, tristeza ou estresse, não abra mão do botão deixar de seguir, ou silenciar. A pessoa nem vai ficar sabendo.
  • Estabeleça uma rotina diária e priorize também outras atividades. Hora de trabalhar, intervalo, da atividade física e do momento em família. Deixe o celular de longe. Aos poucos você vai se acostumando.

Colocar limites e horários vai te ajudar a lutar contra a ansiedade de ficar o tempo todo na expectativa de saber o que está acontecendo on-line. Hábitos são exercícios, e os benefícios começam a surgir em pouco tempo na sua saúde mental – que, em tempos tão difíceis, deve vir em primeiro lugar.

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