Medida protetiva de urgência deve ser analisada em até 48 horas após pedido da vítima, mas ação sozinha pode não ser eficiente

Para haver eficácia na assistência à MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA, as medidas de proteção não devem funcionar de forma isolada, segundo afirmam especialistas ouvidas. Nos casos mais graves — quando não resta outra escolha, não há ser ficar escondida —, além do boletim de ocorrência na delegacia, é preciso pedir uma medida protetiva de urgência e até apoio do Estado para acolhimento.

Um balanço divulgado pela Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal mostra que a capital do país registrou 159 feminicídios desde que a lei entrou em vigor, em março de 2015. As mulheres registraram, em média, duas ocorrências de violência doméstica contra o mesmo autor, e 58% estavam com medida protetiva vigente na data do fato.

O ciclo da violência exige uma corrente de proteção, segundo a juíza Teresa Cristina Cabral Santana, integrante da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp). “O sistema precisa funcionar conjuntamente para a proteção”, garante.

“Nos casos mais graves, onde o ciclo da violência já está em um nível avançado, onde há violências mais gravosas praticadas, com tentativa de feminicídio, se o restante do sistema protetivo não for acionado, a chance de que uma violência maior aconteça é grande. O sistema precisa funcionar conjuntamente para ter proteção”.
TERESA CRISTINA CABRAL SANTANA, JUÍZA INTEGRANTE DA COORDENADORIA DA MULHER EM SITUAÇÃO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR DO PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE SÃO PAULO (COMESP)

A juíza revela que o fato de ter a medida protetiva e ainda assim ser morta traz uma “não compreensão” da medida. “A Lei Maria da Penha criou um sistema que tem como dois princípios basilares a proteção integral e a prevenção da violência. As medidas protetivas fazem parte desse sistema, mas, assim como os demais instrumentos que foram criados pela lei para o enfrentamento, as medidas não funcionam isoladamente, precisam de ações e condutas proporcionadas para que a mulher saia da situação”, explica.

Nesse conjunto de ações, igualmente importante à concessão das medidas protetivas, está a fiscalização do cumprimento dessas ordens. Em muitos casos, o único impedimento do homem em se aproximar da mulher é o documento judicial.

Para tentar preencher essas lacunas, em abril de 2023 o governo federal publicou uma nova lei que propõe mais ações de fiscalização das medidas protetivas para mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Uma das propostas é ampliar as Patrulhas Maria da Penha para prevenir e reprimir crimes de violência doméstica, familiar ou sexual contra as mulheres.

Pressa no atendimento

De acordo com a Lei Maria da Penha, a medida protetiva deve ser analisada em até 48 horas após o pedido da vítima. No DF, uma pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Justiça mostrou que o Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) foi a corte que decidiu mais rapidamente sobre os pedidos de medidas protetivas — 22% dos pedidos foram expedidos na primeira hora.

Das mais de 16 mil ocorrências policiais feitas em 2022 no DF, somente 2,5% foram em descumprimento de medidas protetivas. “A medida protetiva de urgência é o coração da Lei Maria da Penha, uma camada protetiva importantíssima, mas também é uma exigência da lei que esteja integrada com os outros atores da rede de proteção. Está integrada com o Ministério Público, com a Defensoria Pública, com a segurança pública, saúde, educação, trabalho”, frisa a juíza Luciana Rocha, coordenadora do Núcleo Judiciário da Mulher do TJDFT.

Projeto Viva Flor

A magistrada cita uma parceria com a Secretaria de Segurança Pública, o projeto Viva Flor: um aparelho, como um telefone celular, pelo qual a vítima consegue acionar a polícia com apenas um toque.

“Já é uma tecnologia voltada para o monitoramento das medidas protetivas, para verificar se de fato o autor está cumprindo, se está afastado da vítima. Nós já temos vários casos de acionamento do Viva Flor em que houve o cumprimento imediato da prisão em flagrante deste autor da violência”, conta Luciana.

Atuação em rede

O segundo ponto essencial para a prevenção e a proteção da mulher em situação de violência é a atuação em rede. É preciso ter política pública, é importante que essa mulher tenha onde morar, tenha atendimento médico, se necessário, atendimento psicológico, oportunidade de trabalho, condição de subsistência, que possa ser recolhida a um abrigamento quando há uma situação de risco tão iminente, que não consiga e não possa ficar em outro lugar que não seja escondida.

A Casa da Mulher Brasileira (CMB) completou dois anos em abril de 2013. Ao todo, segundo dados do Governo do Distrito Federal (GDF), até a data tinham sido registrados mais de 5.000 atendimentos. A unidade fica em Ceilândia, região administrativa cerca de 33 km distante do centro de Brasília. O atendimento é 24 horas, e as vítimas recebem apoio de psicólogos, assistentes sociais e advogados. Vítimas que precisam de proteção em maior grau podem ir para o abrigo temporário acompanhadas dos filhos.

Não ignore os primeiros sinais

Alguns comportamentos masculinos para com a companheira, namorada e esposa podem ser confundidos com cuidado, proteção ou preocupação. Contudo, a violência começa com atitudes simples.

Uma crítica à roupa, um pedido para tirar a maquiagem ou não sair com aquele grupo de amigos ou amigas, pedir para excluir as redes sociais ou para monitorar o telefone e proibir a mulher de algo, como estudar e trabalhar. Para as especialistas ouvidas, esses sinais fazem parte de uma linha crescente de violência psicológica.

Não se cale

Denúncias de violência contra a mulher podem ser feitas à Polícia Militar, pelo 190; à Central de Atendimento à Mulher, pelo 180; ou em uma das delegacias especiais de atendimento à mulher que funcionam 24 horas.

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