Mulheres relatam sobre os impactos do envelhecimento em sua autopercepção e como lidam com os imperativos de beleza

Os padrões de beleza sempre impactaram as vivências femininas e as discussões não são nada recentes. Socialmente impostos, eles ditam a moda, a saúde, as medidas corporais e até mesmo os padrões faciais, o que consequentemente afeta a saúde mental de mulheres de todas as idades, principalmente as que estão entrando na terceira idade.

Não cansamos de ver as pessoas exaltando a beleza dos homens mais velhos, como nos casos dos famosos Richard Gere, Tom Cruise, George Clooney e uma extensa lista de outros nomes considerados galãs mesmo após os 60 anos. Entretanto, quando falamos de mulheres 60+, uma pesquisa da Universidade de Passo Fundo, publicada em 2019, revela que envelhecer é mais desafiador para elas, por sofrerem maior pressão social para manter uma aparência jovial.

A fim de entender as implicações a respeito do tema, o Dicas de Mulher conversou com a escritora e jornalista, Isabel Vasconcellos, de 71 anos, e a educadora e terapeuta, Maria Cecília Santos, de 70 anos, que expressam seus pontos de vista sobre as vivências e experiências acerca do envelhecimento e da autoestima.

A autoestima na terceira idade

Hoje em dia, a autoestima de Isabel Vasconcellos está “nas nuvens”, mas nem sempre foi assim. A escritora relata que os padrões de beleza, que ditam o que é belo e desejado, já ocasionaram prejuízos em sua autopercepção: “todo mundo, ainda que diga o contrário, se importa com isso. Não sou diferente, claro”, afirma.

Isabel, que também é apresentadora de TV e está iniciando carreira no campo político, compartilha que acredita que o envelhecimento impacta diretamente na vida e na forma que as mulheres se veem. Contudo, ressalta que “o importante é não se deixar abater pelo envelhecimento físico”, uma vez que, como seres humanos, somos mais que aparência.

Maria Cecília, por sua vez, afirma que gosta de se olhar no espelho e se ver por inteiro: “poder olhar pras minhas marcas do tempo como o resultado que estou viva e com setenta anos, me dá muito prazer”. Além disso, pontua que são essas marcas que a motivam a cuidar cada dia mais de si mesma.

A respeito dos padrões de beleza impostos pela sociedade para mulheres, a educadora compartilha que nunca teve sua autoestima impactada negativamente por tais exigências: “honestamente, isso nunca me influenciou de forma, vamos dizer, perversa”. Ela também destaca que acredita que as pessoas possam fazer coisas para se sentirem melhor fisicamente, porém “sem se corromper e sem se agredir”.

Entretanto, apesar da visão autoconfiante das entrevistadas, a realidade da maioria das mulheres mais velhas não é assim. Segundo a psicóloga Juliana Leite, os modelos de beleza são “algo do campo de uma idealização que nunca chegará ao realizado”, o que pode causar grande sofrimento emocional, principalmente para pessoas do gênero feminino, devido a uma autocobrança maior em relação à aparência.

A partir dessa afirmação, a psicóloga esclarece que para as mulheres mais velhas, os ideais impostos do que é bonito “miram sempre em um corpo jovem, sem marcas de expressão, sem ação do tempo e sempre na forma mais magra e no menor tamanho possível”. Consequentemente, isso gera angústia e frustração, podendo fazê-las “travar uma batalha contra o corpo, a imagem e a própria passagem do tempo”.

Idade e a baixa autoestima tem relação?

Um dos principais questionamentos a respeito do envelhecimento feminino é sobre seu impacto na autoestima. Sobre isso, uma pesquisa da Universidade de Santo Amaro, publicada em 2018, afirma que a preocupação com a aparência ocorre de maneira mais exacerbada antes dos 60 anos, no climatério, “período no qual o corpo das mulheres não tem o vigor físico de antes devido às alterações decorrentes do processo de envelhecimento”.

No entanto, apesar do sentimento de pressão estética que pode ser ocasionado, a mesma pesquisa mostra que a insatisfação com a própria imagem pode diminuir a medida que o tempo passa, uma vez que mulheres mais velhas “assumem outras prioridades como a saúde e a própria identidade”, o que corrobora com o que foi compartilhado por Isabel e Maria Cecília acerca das próprias percepções de beleza.

Ainda assim, ambas relatam que passam por momentos de baixa autoestima. A escritora conta, por exemplo, que o ganho de peso impacta diretamente na forma como se vê: “trato de emagrecer rapidinho. Estar sempre bem vestida e arrumada é fundamental para sentir-se bem, pelo menos para mim”.

Por outro lado, Maria Cecília, afirma: “quando eu não aceito a minha vulnerabilidade, não aceito que o tempo está passando, acho que a tendência é baixar a autoestima”. A partir disso, ela conta que nesses momentos percebe o quanto é importante possuir autoconhecimento e refletir acerca das próprias vivências e da construção de sua história ao longo dos anos.

Além dessas colocações, a psicóloga Juliana conta que também existem fatores não estéticos que contribuem para a queda da autoestima. Ela esclarece que pelas vivências em uma sociedade que exalta produtividade e desempenho, muitas vezes associados à jovialidade, “uma pessoa mais velha é tida como incapaz de corresponder a esse imperativo, incapaz de produzir o tanto que se pede, incapaz de realizar certos movimentos na vida. E sim, isso afeta diretamente a autoestima”.

Transformações do envelhecimento e da beleza

Ao longo dos últimos anos, é inevitável não reparar em como os padrões de beleza tem se transformado. Estéticas que há algum tempo eram consideradas bonitas, por exemplo, atualmente já não fazem mais parte das tendências. O que permanece é a grande valorização da juventude.

Sobre isso, um artigo publicado em 2014 pela revista Aletheia, aponta que, na maioria das vezes, “o ideal da eterna juventude é buscado pela maioria das mulheres, muitas vezes influenciado pelo olhar de perfeição física construído por valores culturais e socioeconômicos”, que menosprezam o envelhecimento feminino.

Inclusive, é por essa influência que cada vez mais mulheres tem buscado tratamentos estéticos rejuvenescedores, como dispõe a pesquisa de 2018, citada anteriormente: “numa sociedade que privilegia a juventude e a beleza, os próprios idosos tentam evitar a classificação da velhice. Desse modo, recorrem aos mecanismos tradicionais como pintar cabelos e cirurgias plásticas”.

Pensando nos tratamentos estéticos como uma possibilidade da redescoberta da autoestima, a psicóloga, Juliana ressalta que, apesar de não ser contra, “talvez eles não sejam soluções para questões tão mais profundas”. Isso porque, de acordo com a profissional, é possível “enxergar beleza na sua própria história e construção de vida”, e ter uma vivência mais respeitosa com o próprio corpo e aparência, sem os métodos estéticos.

Em concordância a essa colocação, Maria Cecília diz: “eu nunca realizei nenhum procedimento estético invasivo. Eu me cuido, sou vaidosa, cuido da minha pele, da minha saúde, da minha alimentação, faço exercício, tomo sol, tento criar uma rotina de bons hábitos”. Ela conta ainda que não é fácil manter uma rotina de autocuidado, mas que é esse caminho que tem lhe proporcionado melhor autoestima.

Apesar de não ter nenhuma restrição quanto à esses tipos de procedimentos, a educadora relata sobre a importância da tomada de consciência de quem adere aos métodos, uma vez que não é “o que você vai transformar no seu rosto ou melhorar no seu corpo que vai te garantir a felicidade”. Outras formas de cuidado e uma rotina recheada de atividades prazerosas, podem fazer maravilhas para o desenvolvimento de amor-próprio.

Em contrapartida, Isabel conta que apesar dos cuidados frequentes que vão desde hábitos saudáveis até a escolha de roupas, acessórios e idas ao cabeleireiro, já realizou plástica no rosto e faz aplicação de botox regularmente, pois segundo ela: “gostar do que o espelho nos devolve é muito bom”.

A maneira que se trabalha a relação com a própria imagem é particular e subjetiva. Desde muito novas, as mulheres são bombardeadas com pressões e cobranças estéticas de reafirmação de gênero e como cada uma lida com isso, é um caso específico. O que se pode fazer para melhorar a autoestima é valorizar as demais facetas de sua identidade, mas também buscar formas de se sentir mais confortável com o próprio corpo.

Desenvolvendo a autoestima na melhor idade

Pensando nos impactos ocasionados na autoconfiança, sejam eles na fase do climatério ou depois dela, uma questão importante a se refletir é que “a vaidade feminina deixe de existir com o tempo”, afirma Juliana. E além desse autocuidado que auxilia no desenvolvimento da autoestima, a psicóloga também ressalta que “reconhecer e validar a trajetória profissional, pessoal, amorosa, nossas escolhas e aquilo que foi possível com o que tivemos o com o que temos”, é fundamental para uma boa percepção do envelhecimento.

“Levantem mais a cabeça para reconhecer a potência de ser quem são e abaixem menos a cabeça procurando defeitos no corpo e na imagem ao espelho. Autoestima é construção de vida e não atributo que podemos colocar e tirar.” – Juliana Leite

Outros fatores que podem auxiliar nesse processo de reconhecimento, segundo Isabel, é zelar pela própria aparência, cuidando da vestimenta, dos cabelos, da pele e do corpo como um todo. Para a escritora, “o mais importante é gostar de si mesma e fazer tudo o que estiver ao seu alcance para viver sempre bem produzida e elegante”.

E não é somente a aparência física que precisa de cuidados! Maria Cecília aconselha o desenvolvimento do autoconhecimento: “busquem a sua essência, entrem em contato, com este ser superior que existe dentro de você, que pode te dar muito prazer, de estar com você”. A terapeuta pontua ainda a necessidade de pensar do aqui e agora, e compreender que “nunca é tarde pra gente começar ou recomeçar e descobrir algo dentro de si que você possa desenvolver”.

Corroborando com isso, Juliana afirma ser essencial resgatar, reconhecer e validar as vivências e histórias construídas até aqui, além de tentar “aos poucos, trazer para a nossa vida outras possibilidades para sermos e fazermos além do que já foi feito”, afinal, a vida continua e vale a pena ser vivida com qualidade, amor-próprio e respeito a cada segundo.

“Invista tempo e outras coisas em você: leia, cante, dance, saia com os amigos, contem histórias, façam amor, beijem e estejam ao lado de quem deseja viver isso tudo com vocês”, finaliza a psicóloga.

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