Uma das hipóteses levantadas por pesquisadores é de que os ultraprocessados alteram a flora intestinal, que é ligada à produção de mensageiros químicos do cérebro

Os efeitos de ultraprocessados, como macarrão instantâneo, refrigerantes, biscoitos recheados e sorvetes industrializados, sobre o metabolismo e o coração já são conhecidos. Obesidade, diabete e hipertensão, por exemplo, foram bem documentados por pesquisadores. Agora, crescem as evidências de que esses produtos também podem impactar negativamente a saúde mental. Estudos recentes, inclusive no Brasil, encontraram associações entre o consumo desses itens e depressão. Uma das pistas para isso está no fato de ingredientes usados para dar consistência, sabor e durabilidade aos produtos alimentícios desregularem a microbiota intestinal, fortemente relacionada à produção, no cérebro, de neurotransmissores.

Na Universidade Federal de Viçosa (UFV), um estudo em parceria com a Universidade Federal do Paraná (UFRN) encontrou relação entre a incidência de depressão em adultos e o maior consumo de ultraprocessados. Publicado no Journal of Affective Disorders, o artigo foi realizado com dados de 2.572 estudantes universitários entre 2016 e 2020. A média de idade era de 36 anos, sendo que 63,61% dos participantes eram mulheres. A pesquisa faz parte do doutorado de Adrieta Leal, do Departamento de Nutrição e Saúde da UFV.

Segundo Leal, a incidência de novos casos da doença aumentava proporcionalmente ao consumo. Os participantes que, em média, consumiam de 32% a 72% das calorias diárias em ultraprocessados mostraram um risco 82% mais elevado de desenvolver depressão a longo prazo. Helen Hermana Miranda Hermsdorff, uma das coordenadoras do estudo, ressalta que, mesmo isolando efeitos de variáveis como sexo, consumo de álcool e frequência da atividade física, os dados se mantiveram. “Nossos resultados demonstraram que há uma correlação estatisticamente significativa entre ultraprocessados e depressão, conforme o modelo estatístico utilizado”, destaca.

Nove porções

Nos Estados Unidos, pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts e da Faculdade de Medicina de Harvard encontraram associações semelhantes às detectadas pelas colegas brasileiras. Com dados de saúde mental e nutrição de mais de 30 mil mulheres de meia-idade, os autores estimaram quantas desenvolveram, entre 2003 e 2017, sintomas de depressão, associando a informação ao consumo de ultraprocessados.

Ajustando outros fatores de risco para depressão, a pesquisa, publicada na revista norte-americana Jama Network Open, descobriu que aquelas que consumiam nove ou mais porções desses produtos por dia tinham um risco 49% maior da doença, em comparação com as que ingeriam menos de quatro. As que reduziram para menos de três apresentaram a menor probabilidade de sintomas.

“Essas descobertas sugerem que uma maior ingestão de alimentos ultraprocessados, especialmente adoçantes artificiais e bebidas adoçadas artificialmente, está associada ao aumento do risco de depressão”, concluíram os autores. “Estudos experimentais demonstraram que os adoçantes artificiais podem desencadear a transmissão de moléculas sinalizadoras específicas no cérebro importantes para o humor”, escreveram, na Jama Network Open.

“Evidências resultantes de dados de roedores e estudos em humanos indicam que os alimentos ultraprocessados são um dos principais impulsionadores da pandemia de obesidade e contribuem para resultados adversos para a saúde”, comenta Andreas Reif, do Departamento de Psiquiatria do Hospital Universitário de Frankfurt, na Alemanha. “Nesse estudo, mais de 30 mil mulheres sem depressão no início foram diagnosticadas ou começaram a tomar antidepressivos durante o período de acompanhamento. Os autores relatam uma associação com alimentos ultraprocessados, e, analisando os subitens, observam que alimentos ultraprocessados com adoçantes artificiais estão associados a um risco aumentado”, destaca.

Reif, porém, lembra que há limitações na pesquisa, como a inclusão apenas de mulheres, já que se sabe que há uma incidência maior da depressão no sexo feminino. “É difícil separar os efeitos secundários da desregulação metabólica na saúde mental dos efeitos diretos dos alimentos ultraprocessados”, lembra. “Esse estudo fornece uma visão sobre o papel potencial dos adoçantes artificiais na saúde física e mental, mas isso precisa ser confirmado por mais pesquisas além dos dados observacionais”.

Palavra de especialista: Aposte no estilo mediterrâneo

“Embora exista uma associação entre ultraprocessados e depressão em pesquisas, não sabemos ao certo se foram os ultraprocessados a causa. São casos de correlação, e não de causalidade. Mas já sabemos que uma dieta em que se come mais frutas, vegetais, proteínas magras, nozes, sementes, gorduras saudáveis e lacticínios, uma dieta de estilo mediterrânico, está associada a uma melhor saúde mental e física. Embora sejam necessárias mais pesquisas para provar uma ligação causal, uma dieta com baixo teor de ultraprocessados pode ajudar a diminuir o risco de depressão.”

Ingredientes favorecem as inflamações

Produtos alimentícios ultraprocessados costumam ser baratos e de fácil acesso, o que pode ser um atrativo para os mais jovens. Por isso, pesquisadores de universidades italianas resolveram avaliar a associação do consumo desses itens com sintomas depressivos em um grupo de 735 pessoas com menos de 35 anos. Os dados do artigo, publicado na revista Nutrients, vieram do estudo Mediterrâneo sobre Alimentação, Envelhecimento e Estilo de Vida Saudável (Meal), que investigou a ligação entre comportamentos de estilo de vida e doenças não transmissíveis.

Os cientistas descobriram que solteiros e fisicamente ativos apresentavam um consumo médio mais elevado de ultraprocessados. Além disso, uma alta ingestão desses produtos foi associada a um afastamento significativo da dieta mediterrânea, caracterizada por alimentos naturais, incluindo grãos integrais, nozes, laticínios, legumes, azeitonas, uvas e outras frutas, vegetais e peixes.

Assim como nos estudos do Brasil e dos Estados Unidos, o italiano encontrou uma associação entre o alto consumo dos ultraprocessados e o risco elevado de sintomas depressivos. “Várias hipóteses foram sugeridas e apoiadas pela literatura científica para explicar os efeitos prejudiciais do consumo de ultraprocessados na saúde mental. Em primeiro lugar, esses produtos podem afetar a inflamação sistêmica com um risco consequentemente maior de doenças não transmissíveis, incluindo transtornos mentais”, destaca Giuseppe Grosso, autor correspondente e pesquisador da Universidade de Catânia, na Itália.

Além disso, os ultraprocessados contêm teor alto de açúcares refinados e ácidos graxos saturados. A alta densidade calórica dos produtos pode desequilibrar a regulação do metabolismo celular, explica Grosso. “Especificamente, o alto consumo de ultraprocessados, bem como a falta de fibra alimentar, pode induzir um desequilíbrio da microbiota intestinal e levar à disbiose, condição caracterizada por alterações na sua composição funcional e atividades metabólicas. A microbiota intestinal pode se comunicar com o sistema nervoso central por meio da interação com células capazes de transmitir sinais por intermédio de fibras nervosas e induzir respostas no cérebro, como a liberação de serotonina”, diz.

Grosso destaca, ainda, que a exposição prolongada a ultraprocessados altamente palatáveis e a consequente produção de inflamações nas células, inclusive as do cérebro, podem desempenhar um papel na alteração dos padrões fisiológicos de alimentação. “Isso pode levar a comportamentos de compulsão alimentar e a falhas no autocontrole, o que está associado a sintomas de ansiedade/depressivos, além de alteração da qualidade do sono.”

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