Nunca fomos tão ansiosos, dizem por aí. Não sabemos se isso é verdade, mas é um fato que os números da ansiedade no Brasil são alarmantes: 9,3% da nossa população sofre com o chamado transtorno de ansiedade, doença psiquiátrica que afeta a saúde mental.
Você pode estar pensando agora: “espera, será que eu estou dentro dessa estatística?”. Afinal, você provavelmente já deve ter se sentido alguma vez ansioso, antecipando alguma situação. Isso ocorre porque a ansiedade é um sentimento comum e natural do ser humano. Quando excessiva é que ela se torna um problema classificado até pelos manuais médicos. Entenda melhor essa diferença e como lidar com o lado patológico dessa sensação:
O que é a ansiedade?
“Ansiedade é uma reação normal do nosso corpo, ela sinaliza que devemos nos defender, nos preocupar ou até mesmo fugir de alguma situação incomum”, explica a psiquiatra Jéssica Martani, observership em neurociências pela Universidade de Columbia em Nova York (EUA) e pós-graduada em psiquiatria pelo Instituto Superior de Medicina e em endocrinologia pela Faculdade CENBRAP.
Antecipar-se ante a uma ameaça é fundamental e trouxe o ser humano até onde estamos hoje. Mas essa preocupação merece atenção quando começa a ser provocada por gatilhos pequenos e situações que normalmente não precisariam de uma reação desse tamanho. Sabe quando se usa uma bazuca para atacar uma mosquinha? Existem momentos em que a pessoa ansiosa nem sabe explicar por que exatamente está se sentindo assim.
Quando falamos em condição psiquiátrica diagnosticada, temos o transtorno de ansiedade generalizada (CID F41. 1), o quadro mais comum nas ansiedades patológicas. “Ele é caracterizado por preocupações excessivas, sensação de que algo ruim vai acontecer, dentre outros. Tudo isso numa duração constante de em torno de seis meses”, descreve Martani. Já o transtorno de pânico (CID F41. 0) é outro quadro comum de ansiedade marcado por crises que ocorrem abruptamente e incapacitante naquele momento.
Causas da ansiedade
Não se sabe ao certo quais são as causas dos transtornos de ansiedade. A ciência hoje trabalha com a ideia de que seja um problema de origem multifatorial, ou seja, existem diversos pontos envolvidos e certamente nem todos são conhecidos. No entanto, há algumas teorias, como:
Desequilíbrio das monoaminas
Muitos especialistas acreditam que possa haver uma desregulação de alguns neurotransmissores cerebrais, como a serotonina, a noradrenalida e a dopamina. Neurotransmissores são as substâncias que levam mensagens de um neurônio ao outro e estão intimamente relacionados ao nosso humor e sentimentos.
“Essas substâncias, dentre outras, como glutamato, poderiam estar associadas a uma hiperreatividade do Sistema Nervoso Central, ocasionando um sistema de luta e fuga que se dispara múltiplas vezes com gatilhos desproporcionais e reações com duração e intensidades muito superiores ao que as desencadeou”, descreve Martani.
Nossa atual sociedade e as tecnologias
Outro ponto é que, se estamos falando do tal “mal do século”, então isso está certamente relacionado ao estilo de vida atual. “Vivemos numa sociedade que proporciona a ansiedade: estamos em meio a tecnologia tão rápida que nosso cérebro é incapaz de processar tanta informação, nos sentimos cada vez mais soterrados, correndo contra o tempo, tentando digerir novos conteúdos e essa sufocação de estímulos nos faz sentir pressionados”, descreve Martani. E nossa, só de ler já dá um cansaço, né?
Além disso, percebemos uma maior individualização na sociedade atual, que vem aliada a uma grande competição do ‘eu’ com os ‘outros’. “Observamos cada vez mais o estilo narcisista de sempre ‘ter mais’ e ‘ser melhor’ do que o outro. Toda essa junção de pressão, aceleração e falta de acolhimento nos deixa cada vez mais angustiados e acelerados correndo para buscar algo que já nem sabemos o que é”, resume a psiquiatra. Parece familiar?
A infância também influencia
Não podemos esquecer que muitos dos sofrimentos psíquicos que o adulto sofre provavelmente tem um pézinho na infância. Martani explica que a ansiedade é muito comum em pessoas que cresceram em lares com muitas situações estressante, como brigas sem motivo entre os pais, reações negativas aleatórias dos cuidadores com aquela criança. “Isso as deixava em estado constante de alerta sem saber quando o gatilho estressor pode chegar”, arremata.
Outro ponto é ter tido pais ansiosos, já que é comum que os pequenos imitem suas figuras paternas, assumindo também esse tipo de comportamento por achar que é o natural. Mas lembre-se: você pode não ter vivido nada assim e ainda ser ansioso! Há uma relação, mas não é 100% causa e efeito!
Ainda, existem muitos outros fatores que podem estar relacionados, como genética, ter passado por alguma situação traumática ou relacionamento abusivo, por exemplo. Cada paciente é único e pode ter razões diferentes para apresentar um mesmo problema.
Mulheres estão mais expostas
Estatísticas mostram que as mulheres também tem mais chances de apresentar transtorno de ansiedades do que os homens: a prevalência é de 30,5% para elas, contra 19,2% para eles. Cientistas estudam se há questões genéticas ou hormonais nessa maior probabilidade, mas é possível pensar em alguns motivos ambientais e sociais para isso.
Quando pensamos no papel social da mulher, vemos uma cobrança muito grande e um acúmulo de papéis: mãe, filha, esposa, funcionária, dona de casa. Existe também o fenômeno da carga mental, já que cabe à mulher o planejamento mental das tarefas e necessidades da casa e do cuidado com os filhos, enquanto os maridos apenas “ajudam”, não participando efetivamente da parte mental e da preocupação que elas sentem com esses pontos.
Assim, mulheres possuem muito mais preocupações relacionadas ao machismo, como o medo de assédio, síndrome da impostora no campo profissional e amoroso, pressão estética, salários menores versus produtos mais caros para seus cuidados, medo de engravidar fora de um relacionamento estável, preocupação com o fim da idade reprodutiva, entre outros. Fora a exposição à violência doméstica, de quem elas compõem a maioria das vítimas. Só de pensar já bate uma ansiedade, não?
Sintomas da ansiedade
Quando estamos ansiosos, há toda uma alteração hormonal no nosso corpo. Lembra que já citamos o instinto de luta ou fuga? Para conseguir atacar ou correr, o corpo precisa estar preparado para liberar um hormônio chamado cortisol. Nesse caso, ocorrem as seguintes reações que vemos em um momento de ansiedade extrema:
- Taquicardia: o coração se acelera para conseguir dar conta do esforço de correr ou de brigar;
- Respiração acelerada: começamos a respirar mais rapidamente para dar conta de oxigenar o sangue mais rapidamente e levarmos mais oxigênio ao cérebro, melhorando a cognição;
- Pupilas dilatadas: permitindo que você enxergue melhor o ambiente para encontrar oportunidades para se esconder;
- Tensão muscular: é o sistema locomotor ficando preparado para se mover rapidamente;
- Sudorese: com tanto esforço, há aumento do calor corporal e o suor é uma resposta automática de resfriamento.
No entanto, o maior problema é quando o corpo fica em um estado de alerta por tempo demais, no caso de uma ansiedade patológica. “Alguns estudos demonstram aumento de risco para doenças cardiovasculares, agravamento de diabete, há diversas doenças dermatológicas ligadas ao estresse crônico, não é incomum aumento de queda de cabelo, perda de libido e baixa da imunidade propiciando mais predisposição para doenças infecções”, enumera Martani. Nesses casos a pessoa pode apresentar sintomas como:
- Preocupação excessiva;
- Pensamentos de que algo ruim acontecerá;
- Pessimismo;
- Alterações do sono;
- Sensação de aceleração;
- Culpa;
- Cansaço;
- Taquicardia;
- Falta de ar;
- Tensão muscular;
- Angústia.
Por isso, é sempre importante buscar ajuda médica e psicológica quando se sente esse tipo de sintoma. Os efeitos a longo prazo podem ser bastante prejudiciais à saúde.
Sintomas de uma crise de ansiedade
As crises são características de transtornos de ansiedade, como a síndrome do pânico. Nelas, a pessoa sente uma série de sintomas incapacitantes, ficando desesperadas, o que muitas vezes as insere em um círculo vicioso. Confira os principais sintomas de uma crise de ansiedade:
- Palpitações e aceleração cardíaco;
- Dormência e formigamento;
- Falta de ar ou aceleração da respiração;
- Dores no estômago e diarreia;
- Sensação de irrealidade;
- Medo de morrer ou enlouquecer.
No momento de uma crise de ansiedade e mesmo depois dela, existem uma série de cuidados que o próprio ansioso pode fazer sozinho para se ajudar. Confira a seguir alguns deles.
Como aliviar a ansiedade
A ansiedade patológica é uma condição médica e é muito importante buscar ajuda de um psiquiatra e apoio psicológico. Isso alertado, vale saber que existem medidas que você pode tomar para reduzir essas sensações ruins quando elas ocorrem no dia a dia. Mas, antes de tudo, é importante você se conhecer: o que engatilha suas crises e o que ajuda a contê-las. “Não há uma receita de bolo, é necessário muito autoconhecimento para entender qual é a técnica que vai ajudar cada indivíduo em cada situação”, alerta Martani. Veja algumas sugestões a seguir:
Atividade física
Correr, nadar, pedalar… Você escolhe! O importante é mexer bem o corpo. “A prática de exercícios físicos ajuda a liberar as endorfinas, deixando o nosso dia diferente. Com isso, a disposição aumenta, melhora a qualidade do sono e reduz o estresse, pois é um momento de autocuidado e tudo isso ajuda na nossa autoconfiança”, enumera a psiquiatra. Incluí-la na sua rotina pode ajudar a reduzir as crises de ansiedade, afinal além do lado hormonal, esse tipo de atividade pede a atenção no aqui e no agora, e como diz o pessoal no Instagram: “onde o corpo cansa, a mente descansa”.
Meditação
Muitas vezes a ansiedade está relacionada à preocupação com o futuro. Logo, nada melhor do que uma atividade que prioriza o presente! “A meditação é um treino para a mente, com ela é possível mudar o foco, estar atento aos pensamentos e controlar a respiração. Isso tudo ajuda a combater o estresse”, comenta Martani.
E você não é precisa necessariamente sentar em uma almofadinha de pernas cruzadas e fechar os olhos: existem práticas de atenção plena que podem ser feitas em situações cotidianas, como o banho ou lavando a louça. Basta concentrar-se naquilo que você está fazendo, como a sensação da água na pele, os processos que cada etapa pede, focando no presente. Tentar fazer isso durante uma crise de ansiedade pode ajudar a atingir um estado de tranquilidade.
Controle da respiração
Lembra que um dos sintomas da ansiedade é a falta de ar e o aumento da frequência respiratória. Durante uma crise sua respiração pode ficar curta e rápida, então tentar torná-la mais longa e pausada pode ajudar seu corpo a reduzir essa velocidade. “Um corpo que antes estava em estado de alerta, após a respiração começa a voltar ao seu centro, percebendo não haver necessidade de hiperreagir, pois não há nenhum gatilho estressor”, conclui Martani.
Alimentação balanceada
Sabemos que muitas vezes a alimentação é usada como escape, pois alimentos ricos em carboidratos simples costumam causar uma sensação de satisfação rápida ao engatilharem a liberação dopamina, ajudando a controlar os outros neurotransmissores mais ansiosos. No entanto, essa é uma ajuda apenas momentânea, infelizmente.
Dá para usar a alimentação em nosso favor de forma mais efetiva, com a boa e velha fórmula da alimentação saudável: vegetais coloridos, proteínas magras, carboidratos complexos, gorduras poli e monoinsaturadas. Martani também indica alimentos específicos relacionados ao bem-estar e calmaria, como alface, espinafre, farelo de aveia, abacate, maracujá, cacau, banana e peixes ricos em ômega-3.
Sono em dia
Martani explica que quem tem insônia também apresenta maior probabilidade de ter ansiedade e depressão, já que durante a noite muitos mecanismos importantes para nossa saúde física e mental são executados pelo corpo. Para evitar a insônia, ela ensina algumas medidas de higiene do sono, como:
- Ter uma rotina, como dormir e acordar nos mesmos horários;
- Evitar comidas pesadas a noite;
- Evitar usar eletrônicos uma ou duas horas antes de dormir;
- Reduzir as luzes a noite;
- Procurar atividades mais tranquilas antes de dormir, como ler um livro;
- Não realizar atividade física intensa a noite.
Se seu sono anda ruim e essas dicas não adiantarem, é muito importante buscar por um médico!
E a ansiedade no trabalho?
O trabalho é um dos locais com mais gatilhos para a ansiedade. A psiquiatra nos lembra da importância do diálogo nas relações nesse ambiente. Além dessa dica, a profissional recomenda:
- Evitar ser multitarefas, executando uma demanda por vez;
- Organizar seus afazeres e negociar os prazos;
- Tomar cuidado e comunicar excesso de trabalho;
- Buscar mais equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.
Sabemos que falar em equilíbrio no trabalho é complexo: muitos ambientes podem ser tóxicos e estabelecer relações baseadas na sobrecarga e na competição entre os colegas, gerando uma alta carga de ansiedade. E mudar de trabalho não é tão simples, pois temos contas a pagar e pessoas para sustentar. Nesses casos, é importante buscar ajuda com a equipe de RH ou, caso seja algo cultural da empresa, buscar formas de lidar com esse ambiente enquanto você não consegue sair da empresa.
Tratamento para a ansiedade
Uma vez que a ansiedade patológica é diagnosticada, o tratamento não envolve apenas medicamentos. “A primeira via é a melhora da qualidade de vida, que inclui psicoterapia, exercícios físicos, diversão, entre outros. Paralelamente a isso temos que cuidar do corpo: mudar a alimentação, fazer exames para ver como estão as vitaminas, hormônios e etc., e, se necessário, o uso de algumas medicações, geralmente antidepressivos”, lista Martani. A seguir, entenderemos melhor cada um desses pilares.
Medicamentos
Normalmente os medicamentos são usados para ajustar algum desequilíbrio na química cerebral que predispõe a pessoa com ansiedade a ter reações exacerbadas aos mais simples gatilhos. Podem ser usados dois tipos de medicamentos:
Ansiolíticos
Esses medicamentos ajudam a reduzir essas reações excessivas, podendo ser usados durante uma crise de ansiedade, por exemplo. O uso, no entanto, deve ser bem orientado pelo médico, que pode indicar o uso pontual ou continuo, a depender do caso.
Antidepressivos
Apesar do nome, esses medicamentos ajudam em casos de preocupação excessiva, insônia, taquicardia, sensação de que algo ruim acontecerá, sensação de hipervigilância, dentre outros. Sua indicação também deve ser feita por um médico.
Medicamentos para dormir
A insônia, como já dissemos, é muito amiga da ansiedade, “pois é um cérebro que não desliga, está sempre em alerta”, completa Martani. Quando os antidepressivos não atuam na insônia, pode ser que o médico precise de um medicamento para dormir, mas depende de cada paciente.
Lembrando que, quando falamos de transtornos psicológicos, é normal que os medicamentos demorem a fazer efeito ou que eles ajam de formas diferentes em você do que em outros pacientes. Um período de adaptação e experimentação é necessário e normal, para que o médico encontre as melhores opções para você.
Psicoterapia
Fazer terapia com um psicólogo é de suma importância para conviver melhor com a ansiedade e a praticar o já mencionado autoconhecimento. “Além das técnicas que o paciente aprende na terapia, o processo também ajuda com novas sinapses em cada novo aprendizado”, anima-se a psiquiatra! Durante as sessões de análise, você consegue identificar traços de personalidade que ajudam a aumentar seu quadro, identifica gatilhos e entende porque eles são estressores para você e com isso vai lidando melhor com as situações, de forma menos ansiosa.
Mudanças no estilo de vida
Mesmo tomando remédio e fazendo terapia, é fundamental implementar mudanças no seu estilo de vida, como praticar atividades físicas, alimentar-se melhor, ir dormir cedo e não se privar de sono. “Podemos dar a melhor medicação do mundo, mas se a pessoa continuar em um estilo de vida tóxico, a doença irá continuar a se manifestar”, finaliza a especialista.
Saúde mental é fundamental e não pode ser deixada de lado! Outro problema muito grave e comum entre as mulheres é a depressão e vale a pena saber o que é, como identificar e tratar essa doença.
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