O filme que parece um Mad Max numa das maiores favelas do Brasil

Em 2018, o jornal “O Globo” publicou uma reportagem sobre a favela Sol Nascente, que, na ocasião, caminhava “para se tornar a maior do Brasil”. A favela, segundo o texto, havia surgido no começo dos anos 2000, quando uma “invasão” se formou no meio do mato, “nos confins de Ceilândia, a maior cidade-satélite de Brasília”. Segundo o Censo de 2010, teria 56 mil habitantes e só ficaria abaixo da população da Rocinha, no Rio de Janeiro (“posição” confirmada no Censo mais recente).

“Mato Seco em Chamas”, de Adirley Queirós e Joana Pimenta, se passa em Sol Nascente. Mantendo-se fiel a um modo de criação singular, que não pode ser desassociado de um modo de produção, Adirley coloca Sol Nascente no mapa do cinema brasileiro como já havia feito para outros cantos de Ceilândia em seus filmes anteriores — “A Cidade É uma Só”, de 2011, e “Branco Sai, Preto Fica”, de 2014, entre eles.

O filme reinventa a atmosfera e a estética das distopias (comparações com “Mad Max” são inevitáveis e, por que não, bem-vindas). A história das irmãs Chitara e Léa é narrada como uma lenda que ecoa nas celas da Colmeia, presídio feminino de Brasília. Chitara descobriu dutos de petróleo subterrâneos e passou a produzir e vender gasolina barata. Visualmente, “Mato Seco em Chamas” é dominado pelo fogo, pela fumaça e pela consistência espessa do óleo.

Adirley recusa a visão de favelas e periferias que costuma prevalecer tanto nas obras de ficção, em que a violência surge como algo intrínseco, como nos documentários de cunho antropológico, que costumam observar o espaço e as pessoas com certo exotismo. Pela primeira vez assinando a codireção com Joana Pimenta, sua parceira na direção de fotografia em trabalhos anteriores, Adirley segue cultivando processos prolongados e participativos, buscando desconstruir hierarquias e integrar elenco e equipe na criação.

Nesse processo, as fronteiras entre documentário e ficção se borram. No entanto, o “híbrido” é consequência, não um dispositivo formal. Nascido, criado e morador de Ceilândia, Adirley também não parte do pressuposto de que, por ser daquele espaço, já conheceria na totalidade o material com que está lidando.

Seus filmes são também processos de descoberta de singularidades e de uma constante desconstrução simbólica. Essas características se sobressaem de forma especialmente clara e vívida em “Mato Seco em Chamas”, graças, principalmente, ao trabalho incrível das atrizes que vivem as protagonistas Andréia, Chitara e Lea.

Por fim: se possível, dê uma chance para o filme em salas de cinema. No caso de “Mato Seco em Chamas” a experiência imersiva é especialmente recompensadora.

DIRETO DA SALA DE CINEMA

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