A universitária Patrícia Linares, de 44 anos, contou que chorou quando descobriu que tinha sido alvo de deboche em um vídeo feito por causa de sua idade. Ela, que estuda Biomedicina em uma universidade de Bauru (SP), disse que soube da gravação na noite de quinta-feira (9).

– Nós tínhamos um trabalho de anatomia superdifícil para apresentar. Durante o intervalo da aula, fui para o banheiro. Tinha várias pessoas olhando para mim. Pensei: “Meu Deus. O que será que está acontecendo?”. Antes de eu voltar para a sala, duas pessoas, que não sei quem são, me chamaram. Perguntaram se eu era a Patrícia e falaram: “Sabia que tem um vídeo seu rolando na faculdade?”. Fiquei preocupada. Falei: “Ué, será que alguém me filmou?”. Falaram que não. “São três meninas que estão falando mal de você” – relatou Patrícia.

Ela disse que, inicialmente, não quis assistir ao vídeo. Porém, dentro da sala de aula, outra pessoa falou com ela sobre o conteúdo.

– Ela falou: “Patrícia, eu não queria, porque sei que vai te chatear, mas preciso te falar. Fizeram um vídeo caçoando da sua idade”, e me mostrou o vídeo. Eu olhei para aquele vídeo e comecei a chorar. Foi um misto de emoções. Eu estava preocupada com o trabalho e, ao mesmo tempo, tinha acabado de ver aquele vídeo deprimente. Me abalou profundamente. A tristeza que me abateu foi muito grande. Eu chorei muito. Quando cheguei em casa, contei para o meu esposo o que tinha acontecido, mandei para as minhas irmãs e aí tudo começou a acontecer.

Na última sexta-feira (10), a Unisagrado, universidade onde o episódio ocorreu, divulgou uma nota no Instagram. A instituição afirmou que está tratando do caso no âmbito institucional.

Veja os crimes pelos quais universitárias podem responder ao debochar de colega

As três estudantes que debocharam de uma colega de faculdade por ter mais de 40 anos podem responder na Justiça pelo episódio, que viralizou em um vídeo e gerou indignação nas redes sociais.

Para saber as possíveis consequências jurídicas, a advogada Gisele Truzzi, especialista em direito digital e sócia fundadora da Truzzi Advogados, e a delegada de polícia Raquel Gallinati, diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil e embaixadora do Instituto Pró-Vítima falaram a respeito.

As três, que são maiores de idade, podem, em tese, vir a responder por:

  • Injúria: que é ofender a dignidade ou a honra de alguém. A pena pode ser de detenção, de um a seis meses, ou multa.
  • Difamação: que é ofender a reputação de alguém, mesmo que o fato seja verídico. A pena pode ser de detenção de três meses a um ano, e multa.
  • Violência psicológica: que é causar dano emocional à mulher mediante constrangimento e ridicularização, entre outros pontos. A pena é de reclusão de seis meses a dois anos e multa.

Elas estão sujeitas aos crimes de injúria e difamação, que dependem de representação, que são crimes contra a honra tanto subjetiva quanto objetiva, e também o crime de violência psicológica, que se encaixa perfeitamente nas atitudes.— Raquel Gallinati, diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil

No entendimento de Gallinati, as três universitárias, que estudam biomedicina, quando dizem que a colega com mais de 40 anos “não consegue ou não é capaz de aprender novas atividades no âmbito acadêmico” incorrem em violência psicológica ao fazerem com que se sinta diminuída.

Para Truzzi, o trio pode ser enquadrado no crime de injúria por ter mencionado palavras, expressões e adjetivos negativos que afetam a imagem da vítima. E a especialista ressalta que não adianta apagar o vídeo.

“Sendo elas maiores de idade, por mais que apaguem o conteúdo que publicaram na internet, o crime já foi praticado. É um crime instantâneo”, afirma a advogada.

A publicação feita na sexta-feira (10) no Twitter já passa de três milhões de visualizações. No vídeo, uma das universitárias ironiza: “Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”. Logo depois, outra responde: “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”. “Realmente”, concorda a terceira.

Deboche a universitária com mais de 40 anos gera revolta e solidariedade de  colegas: 'Exemplo para nós' | Bauru e Marília | G1

Em seguida, a estudante que grava o vídeo diz: “Gente, 40 anos não pode mais fazer faculdade. Eu tenho essa opinião”. Elas chegam a dizer que a mulher “não sabe o que é Google”. No mesmo dia, estudantes manifestaram apoio à aluna, Patrícia Linares, e entregaram flores, cartas e chocolate a ela.

Pedido de Desculpas

Segundo Truzzi, mesmo que peçam desculpas e se retratem, o “crime já foi praticado, porque foi no momento em que a ofensa foi proferida”. Não tem como ‘desdizer’ o que você já disse. Eu falo que palavras são como flechas. A partir do momento em que a gente as dispara, elas não voltam mais. Então, você pode apagar uma postagem, mas o ilícito já foi praticado e, se a pessoa tem prints disso ou baixou o conteúdo ou fez o download do material, ela tem como comprovar a situação.— Gisele Truzzi, advogada especialista em direito digital

Segundo consta, uma das universitárias disse no sábado (11) que estão arrependidas do que falaram e que o vídeo foi uma “brincadeira de mau gosto”. Ela contou que as imagens foram postadas inicialmente no “close friends” do Instagram (recurso que permite que o usuário selecione seguidores específicos), mas acabou saindo da roda de amigos e viralizou.

“Nunca foi na intenção de dizer que pessoas de mais idade não podem adquirir uma graduação, pois não tenho esse pensamento. Foi uma fala imprudente e infeliz que tomou uma proporção que não imaginávamos”, disse.

Possibilidade de acordo

De acordo com Gisele Truzzi, especialista em direito digital, o processo pode resultar em um acordo e retratação, com a substituição da pena pelo pagamento de cestas básicas e prestação de serviços comunitários, por exemplo.

A retratação, exemplifica a advogada, pode ser a publicação de um vídeo ou mensagem pedindo desculpas por um determinado tempo na internet. Outra possibilidade é a publicação da sentença nas suas próprias redes sociais como um pedido formal de desculpas.

A advogada alerta ainda que há ainda o risco de essas universitárias terem prejuízos futuros. “A internet não nos deixa esquecer. Então, o que essas moças fizeram pode ser extremamente negativo para elas lá na frente, como em um processo seletivo”, afirma.

Sobrinha se manifestou

Sobrinha da estudante de 40 anos se manifestou sobre o caso em Bauru em uma rede social — Foto: Instagram/Reprodução

O vídeo das estudantes foi compartilhado por várias pessoas nas redes sociais, inclusive pela sobrinha da vítima. Em uma publicação na rede social, ela desabafou sobre o episódio.

“Ela sempre teve o sonho de estudar e nunca teve oportunidade. Hoje, ela conseguiu entrar em um curso que ela sempre quis e estava muito feliz e animada para começar as aulas, e daí surgem três meninas que só vivem na própria bolha, gravando vídeo zombando pela minha tia ser a mais velha da turma”, disse.

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