De 2020 a 2023, a Justiça do Trabalho, em todas as suas instâncias, julgou 419.342 ações envolvendo assédio moral e assédio sexual. O volume de processos julgados sobre assédio sexual cresceu 44,8% no período, e os de assédio moral aumentaram 5%. 

As novas ações recebidas pelo Judiciário Trabalhista nos últimos três anos a respeito desses temas somaram 361.572 (338.814 sobre assédio moral e 22.758 sobre assédio sexual). Enquanto o volume de casos novos sobre assédio moral se manteve estável, o de assédio sexual cresceu 14,3%. 

O que é assédio

No mundo do trabalho, o termo “assédio” refere-se a comportamentos e práticas inaceitáveis que causem (ou possam causar) dano físico, psicológico, sexual ou financeiro a alguém. Essas condutas criam um ambiente hostil e podem afetar a vida profissional e pessoal de quem sofre o assédio. 

Perfil de quem procura a Justiça

Segundo o Monitor do Trabalho Decente, 72,1% das ações sobre assédio sexual julgadas desde 2020 foram ajuizadas por mulheres. A faixa etária predominante era de 18 a 29 anos (42,5%) e de 30 a 39 anos (32,6%).

Números refletem maior conscientização

O crescimento, contudo, não significa necessariamente que estejam ocorrendo mais situações de assédio em ambientes profissionais, mas podem revelar uma maior conscientização das pessoas sobre o tema e uma sensação maior de segurança para reivindicar direitos. 

“Condutas que configurem assédio moral e sexual não podem passar despercebidas e não podem ser toleradas, em qualquer tipo de ambiente de trabalho”, alerta o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Lelio Bentes Corrêa. “Essas práticas afetam todo o ambiente profissional, impactam a produtividade e, principalmente, prejudicam a saúde das pessoas. É nocivo para todos”.

Denunciar o assédio sexual é o melhor caminho para cessar a violência

O assédio sexual é um crime que deixa marcas psicológicas, causa medo e muitas vezes envergonha a vítima. A Organização Mundial do Trabalho estima que mais da metade das mulheres que exercem atividades profissionais já sofreu algum tipo de assédio sexual, mas apenas 1% delas denunciou.

A orientação é para que a vítima desenvolva uma rede de proteção. “Em geral, o assediador aproveita momentos em que está sozinho com a pessoa assediada. Então, conte para seus colegas e familiares, utilize os canais disponíveis, guarde bilhetes, mensagens, presentes – enfim, tudo que possa servir como prova

Descrito no artigo 216 do Código Penal, assédio sexual é “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício do emprego, cargo ou função”. Todas as pessoas podem ser vítimas de assédio sexual, mas há uma incidência muito maior com as mulheres.

O assédio sexual, assim como todos os crimes desta natureza, ocorre às escondidas, em geral, somente com o conhecimento da vítima, por isso a importância de sempre buscar o auxílio das autoridades. “É fundamental que a vítima saiba que existe uma estrutura voltada para sua proteção, e a notícia do fato é o melhor caminho para cessar a violência,”.

No âmbito da prevenção, o caminho é fomentar a construção de uma cultura institucional que respeite a dignidade humana por meio de um ambiente saudável. Entre as principais medidas, estão o oferecimento contínuo e periódico de informações sobre o assédio, código de ética que contenha medidas de prevenção ao assédio sexual, canal de acolhimento e apuração de denúncias.

Ação judicial diferencia assédio de situações normais

De acordo com a ministra do TST Kátia Arruda, coordenadora do Programa de  Equidade, Raça, Gênero e Diversidade da Justiça do Trabalho, a função do Judiciário Trabalhista é pacificar conflitos trabalhistas e contribuir para a efetivação dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos constitucionais do Estado brasileiro. Nesses casos, ela explica que a atuação judicial tem o papel fundamental de delimitar o que é efetivamente assédio e o que são prerrogativas naturais na relação de trabalho, como a cobrança de metas. “A atuação do Judiciário trabalhista permite não apenas reparar às vítimas de condutas assediadoras ou discriminatórias, mas proporciona a conscientização empresarial de quais são os limites, trazendo benefícios a toda sociedade”. 

Para a ministra, um dos maiores desafios nessas ações é a prova. “Em muitos casos, o assédio é velado e compromete a comprovação dos fatos em juízo”, observa. “O TST, por não ter a prerrogativa de reexaminar fatos e provas, depende da conclusão a que chegou o TRT sobre o tema e, muitas vezes, juízes e desembargadores não tiveram subsídios suficientes para chegar a uma conclusão robusta sobre a existência de assédio”. 

Evolução da pauta reflete mudanças na sociedade

Segundo Kátia Arruda, a evolução da pauta na Justiça do Trabalho reflete a evolução observada na sociedade. “Um ponto importante é que o Judiciário passou a entender que discriminações estruturais, como o racismo, embora sejam corriqueiras no cotidiano social, são sim discriminatórias e causam prejuízos severos aos trabalhadores e à sociedade”, ressalta. “Assim, condutas como o racismo recreativo passaram a ser reconhecidas como  assédio, e não como ‘brincadeira’”.

Outro aspecto destacado é que juízes e tribunais estão ficando mais atentos em relação à condução do processo, para não revitimizar uma pessoa que já passou por uma situação assediadora. “Um exemplo é a prática de não colocar uma vítima de assédio sexual para depor na frente do alegado agressor”, assinala.

De acordo com a ministra, técnicas processuais relacionadas ao ônus de comprovar os fatos alegados podem ser usadas em cada caso, a depender da situação concreta, facilitando a comprovação de condutas de assédio. 

Justiça do Trabalho terá protocolo próprio para julgamentos

Nesse sentido, também está em elaboração um protocolo de atuação judicial com perspectiva antidiscriminatória focada em gênero, raça e diversidade. A intenção é orientar a magistratura trabalhista sobre condutas que devem ser observadas para promover julgamentos que levem em conta processos históricos e estruturais de desigualdade, o que contempla, também, casos de assédio no trabalho.

Para todo o Poder Judiciário brasileiro, já vigora, desde 2021, o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O documento aborda as desigualdades de gênero e como elas se expressam, inclusive nas estruturas do Poder Judiciário. A adoção das diretrizes contribui para uma atuação da magistratura sem vieses e preconceitos.

Cartilha atualiza definições e orientações

O Tribunal Superior do Trabalho e o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) lançarão, ainda este mês, uma nova cartilha com orientações sobre o assunto. O material explicará o que configura assédio, discriminação e violência e indicará como identificar essas situações e agir para se proteger delas. 

Também trará informações a gestoras e gestores e às organizações sobre o que pode ser feito para combater esse tipo de prática. “Informação é fundamental, tanto para evitar a prática agressiva quanto para orientar quem é vítima sobre o que pode ser feito”, ressalta o presidente do TST.

A Justiça do Trabalho desenvolve, ainda, a Política Judiciária Nacional de Trabalho Decente, da qual fazem parte o Programa Trabalho Seguro e o Programa de  Equidade, Raça, Gênero e Diversidade. Essas frentes desenvolvem ações institucionais voltadas à conscientização e à mobilização social para promoção de ambientes profissionais mais saudáveis.

Para a ministra Kátia Arruda, a implementação de uma cultura de respeito nos locais de trabalho melhora o ambiente, proporciona mais qualidade de vida e reduz adoecimentos psicológicos e afastamentos previdenciários. Por consequência, reduz o custo para a sociedade – que arca com impostos para o custeio do sistema de seguridade social – e para o empresário, que não precisa investir de forma tão reiterada na substituição de mão de obra e reduz o passivo trabalhista. 

Pesquisa exclusiva analisa 188 mil registros em canais de 710 empresas

No ano passado, o número de denúncias de assédio no trabalho aumentou 23,6%, totalizando 188 mil. A conclusão é de um estudo realizado pela Aliant, que analisou dados de canais de denúncias de 710 companhias (a maioria no Brasil). As queixas mais comuns envolvem comportamento das chefias, com destaque para falta de tato ao lidar com situações de pressão, brincadeiras de mau gosto, problemas de relacionamento interpessoal e práticas abusivas como assédio moral e até agressão física. Após investigação, uma a cada três acusações foi considerada procedente. Especialista ouvido pela reportagem recomenda que as empresas deem mais atenção ao que é revelado pelos canais de denúncias para desenvolver estratégias preventivas. 

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