“A exceção só serve para confirmar a regra. E que regras são essas, sociais e raciais, dentro da sociedade brasileira que, para alguns vencerem determinadas barreiras, é muito fácil? Aliás, alguns nem barreiras têm.”

Antes de qualquer comentário pernicioso ou que queira direcionar para o pretensiosismo, vitimismo ou o egocentrismo, desde já antecipo que, estes são sentimentos que não fazem parte do meu ser e não são alimentos da minha alma. Para acrescentar, reitero, este foi o editorial mais difícil de toda minha vida, pois não gosto de falar da minha pessoa, no modo singular, justamente para se evitar interpretações dos mais diversos tipos e mesmo porque, a minha função é falar de personalidades e fatos e não publicar um diário pessoal. Porém, meus amigos (as) tudo nasceu de uma brincadeira de um grande jornalista chamado Adilson de Lucca, a qual tenho grande apreço, respeito e admiração.

Dia desses este editor estava em uma coletiva de imprensa com diversos jornalistas e convidados quando de repente fui abordado pelo profissional a qual me referi e que me chamou de “O Tim Lopes de Marília”. No momento me silenciei, mas ao chegar em casa, parei para refletir. Para quem não se lembra, o jornalista em supra foi brutalmente assassinado enquanto fazia uma reportagem para a TV Globo no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio de Janeiro, em 2 de junho de 2002. A morte dele virou um símbolo da luta pela liberdade de imprensa no Brasil.

Tim Lopes nasceu em Pelotas, no Rio Grande do Sul, e era um dos jornalistas investigativos mais importantes da TV Globo. Ele costumava assumir disfarces para fazer suas reportagens. Em 2001, ele ganhou o Prêmio Esso, principal premiação do jornalismo brasileiro, por uma reportagem sobre tráfico de drogas. Quando foi assassinado já tinha mais de 30 anos de carreira.

Se por um lado, deveria me sentir lisonjeado pelo comparativo, pelo outro me despertou duas realidades importantes; A primeira é que sou um dos poucos jornalistas combativos da atualidade e que tem como postura a luta contra a corrupção e a má gestão pública de nossa cidade, marca registrada desde a denúncia contra o esquema do Mensareli em 2008. A segunda, é que sou o único jornalista (Jornal impresso e portais de notícias) negro, em atividade neste município com quase 250 mil habitantes.

A somatória destes dois importantes fatores, acabaram proporcionando estranhos obstáculos e situações que levariam qualquer um desistir da carreira. Nunca posso me esquecer do dia que fui barrado na entrada de evento na ACIM (Associação Comercial e de Inovação de Marília). A data era 27/09/2020, quando foi realizada uma cerimônia para exibição e distribuição do book com 25 propostas e valores que o CODEM apresentava como base para o desenvolvimento da cidade aos prefeitáveis para as eleições daquele ano.

Isento completamente as recepcionistas que apenas acatavam ordens dos organizadores e me lembro que as mesmas até se deslocaram da recepção até a parte interna, tentando a autorização com os responsáveis, mas, mesmo assim, não obtiveram sucesso. Realmente fui barrado pela primeira vez na minha vida, mesmo com a carteira de profissional de imprensa. VERGONHOSO.

Como negro, e como idealizador da Marília Centenária (uma ideia semelhante, porém criada dois anos antes para discutir o centenário de Marília) era óbvio que seria barrado na entrada. Se não me falha a memória, fiquei cerca de 50 minutos na recepção aguardando a autorização enquanto todos passavam. Esta foi uma das maiores humilhações da minha vida. Naquele momento senti o peso da cor da pele e como é duro lutar contra um sistema que domina a cidade em prol de pseudo interesses. Um preconceito que só piorou nos últimos anos.

Neste evento da ACIM e CODEM, ficou evidenciado que as portas estão fechadas para quem não diz amém e tem a coragem de abordar temas que normalmente ficam embaixo do tapete ou atrás da cortina de um teatro de representações para o eleitor mariliense. Diferente de Tim Lopes, este jornalista não faz matéria investigativa contra o tráfico de drogas, mas sim, contra a droga do sistema que domina e sufoca a cidade. Aquele sistema que há décadas transformou a cidade em um balcão de negócios.

Com isto, fica claro, que a qualquer momento posso, sim, me tornar um Tim Lopes, não pela competência jornalística, mas pelo mesmo fim que foi dado ao mesmo como queima de arquivo por investigar demais, falar demais, cobrar demais. Em 2004, quando atuava como ativista social no movimento de entidades comunitárias, um jornalista do extinto JORNAL DIÁRIO DE MARÍLIA, chegou a comentar; “Kaito Jrº, uma pedra no sapato de qualquer administração”.

Talvez, realmente, seja assim que a podre hall society enxergue este pequeno escravo dos teclados. Um negro reacionário que não aceita as regras do sistema que escraviza a cidade e contempla a poucos. Que não se conforma com o péssimo transporte coletivo oferecido aos trabalhadores e que fica indignado quando uma mãe chega a uma unidade de saúde e não encontra médicos para atender seu filho(a).

Cidade majoritariamente composta pela população branca, a possibilidade de um jornalista negro se destacar e ainda por cima, estar em à frente de um veículo de comunicação tão polêmico, investigativo e influente como o JORNAL DO ÔNIBUS DE MARÍLIA, sem dúvida nenhuma causa repulsa ao sistema e devido às dificuldades, acaba desmotivando e fazendo com que futuros jornalistas negros não sintam-se a vontade de seguir este caminho.

As dificuldades são muitas e em resumo posso dizer, não é fácil enfrentar um sistema, principalmente quando a primeira avaliação é a cor da pele e a segunda é o posicionamento independente. As portas se fecham literalmente, pois muitos comerciantes e empresários, dependem do sistema, sendo forçados a não investirem no PORTAL DE NOTÍCIAS QUE MAIS CRESCE EM NOSSA REGIÃO, basta pesquisar no analítico do Google.

Outro fator que condena este que lhes escreve é a independência e simplicidade de seus textos. A inspiração vem do ano de 1980, quando cheguei a ler um pequeno livrinho do saudoso e exímio jornalista Clóvis Rossi que escreveu; “O que é jornalismo”: “Jornalismo, independente de qualquer definição acadêmica, é uma fascinante batalha pela conquista das mentes e corações de seus alvos: leitores, telespectadores e ouvintes. Uma batalha geralmente sutil, que usa uma arma de aparência extremamente inofensiva: a palavra.”

Infelizmente não tive condições e recursos para fazer uma faculdade e este acaba sendo o fator preponderante para julgamentos e até críticas de alguns pseudo companheiros de imprensa e principalmente por parte de algumas RAPOSAS DA POLÍTICA, que me perseguem até hoje e fazem de tudo para dificultar meu trabalho. O único curso técnico que realizei, a exemplo de muitos, foi de radiofusão no ano de 1985 no SENAC DE MARÍLIA, porém na e´poca já era colunista do extinto jornal CORREIO DE LINS, onde semanalmente tecia meus comentários políticos e informes dos bairros e entidades comunitárias da cidade de Lins. O que me consola, é que não sou o único caso em Marília e na região. Poderia citar pelo menos uns 6 nomes, mas a diferença está na cor da pele.

Poderia me valer do decreto publicado em Brasília no dia 11 de novembro de 1.985, durante as festividades do 164º da Independência e 97º da República, onde o então presidente José Sarney e o ministro do trabalho Almir Pazzianotto asseguravam ao jornalista provisionado na forma do artigo 12 do Decreto Lei nr. 972, de 17 de outubro de 1.969, no Art. 1º, o direito de transformar seu registro para jornalista profissional e com demais exigências no Art. 2º que foram todas confirmadas, e me proporcionaram na carteira profissional, em sua página 46, o registro de JORNALISTA PROFISSIONAL com número de MTB gerado e que neste mês coincidentemente completa 20 anos. Não me presto a vangloriar, pois hoje nem isto se faz necessário para a exercer a profissão devido ao uma decisão do STF. Pode até faltar o estilo gramatical, mas não falta empenho para oferecer aos leitores das matérias produzidas, uma boa leitura na luta pelos direitos e uma notícia fidedigna.

DETALHE: Nunca me identifiquei como jornalista, mas sim como radialista, justamente por exercer por um período maior tempo minhas funções em emissoras de rádio de Lins e Marília. Apenas trabalho, sem vaidade de títulos ou rótulos.

Voltando ao texto do saudoso Clóvis Rossi, ele apenas reforça a tese de que o Jornalismo está acima de qualquer definição acadêmica. Parabéns a quem conseguiu concluir um curso com maestria, mas nem por isso, quem é JORNALISTA RAIZ, como dizem, deve ser expurgado do mercado, afinal o conteúdo de uma matéria e a maneira como se maneja a arma, digo as palavras devem ser o referencial para o julgamento.

O que me chamou atenção no jornalista Clóvis Rossi, é que ele não fazia distinção entre jornalistas recém-chegados ou experientes. Dono de uma das maiores franquias do jornalismo brasileiro, não se dava tanta importância. A visão dele era a essência das palavras ou arma como ele costumava dizer.

Alguns costumam rotular como JORNALISTA RAIZ, mas, eu prefiro dar uma leitura diferenciada, dentro da experiência que cheguei a viver de 35 anos dentro do ativismo social. Por tanto, classifico como o Jornalismo Cidadão, que também pode ser conhecido como Jornalismo Colaborativo, Jornalismo Democrático ou ainda Jornalismo Open Source (código fonte aberto). Seu conceito é baseado em cidadãos leigos, sem formação jornalística, participando de forma ativa no processo de coleta, reportagem, análise ou disseminação de notícias e informações, seja qual for a área.

Foi nessa pegada que fundei em Marília o JORNAL DO ÔNIBUS DE MARÍLIA em junho de 1996 com a proposta de ser um jornal de leitura rápida para usuários do transporte coletivo da cidade. Já nesta época, o peso político da cidade foi decisivo para interromper as atividades em 1997, retornando apenas quase 20 anos depois, se tornando este portal que lhe chega a mãos diariamente através da telinha do seu celular.

Logo depois, criamos o JORNAL GAZETA BANDEIRANTES, um informativo mensal de uma entidade comunitária com circulação mensal e distribuição em 10 bairros da zona oeste de Marília. Estávamos no ano de 2000 e logo na sequência em meados de 2005 sai do forno o ROTATIVA DOS BAIRROS que contemplava informações de todas as entidades comunitárias de Marília e assim ficou até 2008 quando me afastei do movimento comunitário devido às denúncias realizadas no caso Mensareli NA QUAL DE FORMA INÉDITA, CONTEI COMO TESTEMUNHA, DE UM DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL, que ficou indignado diante da REPENTINA mudança de depoimentos de algumas lideranças. As minhas denúncias só foram confirmadas dois anos depois, para comprovar que este negro não estava mentindo.

Deve-se atentar que Jornalismo Cidadão não deve ser confundido com Jornalismo Comunitário ou Jornalismo Cívico, que caracterizam um jornalismo profissional voltado para o cidadão na qual eu me identificava e realizava para fortalecer as entidades. Ocorre que se o mundo passa por transformações e avanços, cabe a nós se adequar e se adaptar para não ficar para trás. Foi o que ocorreu e provocou a ira de muita gente.

Os radicais, mesmo com o canudo na mão, esquecem que o Jornalismo Cidadão ´e legalizado e ganhou força nos últimos anos a partir do advento das ferramentas de edição e publicação na internet (como wikes, blogs) e a popularização dos celulares equipados com câmeras digitais, além de outras novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs). É lógico que neste meio, como em toda profissão, se encontra de tudo. Temos excelentes jornalistas na cidade, mas temos também os picaretas que mal sabem elaborar um texto e montam um site ou página para praticar o famoso copia e cola e apresentar uma nota para alguma prefeitura.

Seria pretensiosismo dizer que estou entre os melhores, APENAS me inspiro neles. Sou apenas dedicado e com uma certeza; não faço parte dos picaretas. Parafraseando o grande Gil Gomes; “Agindo desta maneira, com dignidade, posso não consertar o mundo, mas sei que serei um canalha a menos”

Devido à disponibilidade desse tipo de tecnologia, os cidadãos podem frequentemente relatar notícias de última hora (breaking news) mais rapidamente do que os jornalistas de mídia tradicional. Jornalismo colaborativo prima pela maior participação da audiência na produção de conteúdo, sobretudo na internet. Essa nova maneira do “fazer jornalismo” exige do jornalista que ele tenha capacidade de fazer parte do processo onde não mais existe um comunicador e a massa receptora de informação, e olha que militei no rádio por muitos anos.

Embora não se possa confundir as estações, especialistas do mercado e criadores de conteúdo debateram o valor da transparência e da identificação, o fim da comunicação autocentrada, o entendimento das marcas na construção de discursos sinceros e não tão publicitários e, principalmente, como mostrar a realidade nas redes. Ninguém faz isto melhor do que justamente o JORNALISTA RAIZ ou CIDADÃO como queiram.

“Antes, tínhamos um molde de se fazer conteúdo que não contempla a mim, a minha família, por sermos pretos, periféricos e com vivências diferentes. A liberdade da internet foi construída para que pessoas como eu fossem ouvidas”. Para mim, a audiência busca conteúdo de verdade e que se identifique com a realidade. Este é o meu papel.

O pós-pandemia trouxe uma revisão de propósitos da sociedade no geral e isso tem tido impacto direto nas redes sociais: tanto no que se produz e, principalmente, no que se consome. Agora, o público não quer perder tempo, precisa ser cativado e se identificar com o que está vendo nas redes sociais. “Quais são suas (segundas) intenções?”.

Neste processo de digitalização do jornalismo, na qual o JORNAL DO ÔNIBUS DE MARÍLIA foi o pioneiro em lançar a versão digitalizada de sua publicação mensal, o espaço que estamos conquistando em uma velocidade avassaladora se deve ao famoso arroz e feijão bem temperado que faz com que os (as) leitores (as) captem a mensagem em linguajar simples e direto, sem muita maquiagem gramatical. Nós falamos a linguagem do povo.

REQUERIMENTO DE CONGRATULAÇÕES APROVADO POR TODOS OS VEREADORES

Para finalizar, mesmo porque esta leitura já ficou cansativa (eu reconheço), não poderia encerrar sem mencionar novamente a razão deste editorial em forma de desabafo. DE UM NEGRO DA PERIFERIA que OUSA SER JORNALISTA na TERRA, ONDE MUITOS COMEM CHUCHU E ROTAM CAVIAR. Sobrevivem de um status-quo vazio em colunas ou clubes de serviços e dependem em sua maioria do famoso sistema.

O que eu passo não é novidade. As dificuldades que a população negra enfrenta ao longo da vida devido ao preconceito são muitas, e os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) apontam isso. Por mais que 56% da população brasileira se considere negra ou parda, uma pesquisa do Instituto Locomotiva, que ouviu 1.200 pessoas, comprova que 65% dos entrevistados já foram vítimas de preconceito durante o expediente de trabalho, e 72% já presenciaram situações de racismo em empresas. 

No jornalismo brasileiro, a realidade vivenciada é a mesma, aponta a pesquisa Perfil Racial da Imprensa Brasileira, divulgada no Dia da Consciência Negra do ano passado: só a categoria branca é majoritariamente com 77,6% de presença nas redações;  20,1% são pretos e pardos; 2,1% amarelos; e 0,2% indígenas.

A pesquisa mostra também que 61,08% dos cargos gerenciais no jornalismo, como colunista, editor-chefe, editor e diretor de redação, são brancos. Com relação aos casos operacionais, o caso se inverte, 60,7% são ocupados por negros e 38,2% por brancos.

Chega a ser vergonhoso a maneira como agem, mas mesmo assim continuamos na luta. Para mim, José Carlos Venâncio (KAITO JRº), A notícia não tem cor, o idealismo não tem bandeira. Tudo se resume na luta pela melhoria na qualidade vida das comunidades, no processo de construção de uma cidade mais justa e humana.

Se a palavra é uma arma, eu uso em prol dos menos favorecidos. Se o Jornalismo é uma ferramenta importante para informar e conscientizar um povo de forma honesta e sem cooptação ou manipulação, aqui estou. Se o Jornalismo raiz é repudiado pelos cardeais da política, isto é um incentivo, pois o JORNAL DO ÔNIBUS DE MARÍLIA foi criado para o povo humilde, a classe trabalhadora e os munícipes e contribuintes que pagam o salário e as mordomias desta classe. Este mesmo povo que elege e coloca no cargo, mas também pode não reeleger, expulsando da cadeira no mandato seguinte.

É para isto que viemos e por aqui estamos. Eu sou KAITO JUNIOR, jornalista raiz de verdade (com MTB na carteira profissional) e cidadão, negro da periferia, que ama esta cidade e não vai mudar sua maneira de ser para agradar este ou aquele do sistema bruto. Um abraço a todos com meus sinceros agradecimentos pela paciência, neste editorial que usei pela primeira vez, para falar da minha pessoa, da minha negritude e do meu profissionalismo.

Sim, eu sou KAÍTO JUNIOR, apenas uma rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior. Trago na cabeça uma canção do rádio em que o antigo compositor baiano me dizia, tudo é divino, tudo é maravilhoso. E fica melhor ainda, quando um negro como este que digita estas palavras, sai do anonimato e da senzala dos senhores feudais, para dizer; EU ESTOU AQUI.

  • Sem um preto, não se faz um bom filme.
  • Sem um negro, não se escreve uma novela de sucesso.
  • Sem um neguinho, não tem um futebol alegre.
  • Sem um afro descendente não tem capoeira.
  • Sem um crioulo não tem samba no pé.
  • Sem este negão que um dia foi barrado pela Acim e o Codem e que até HOJE ainda é perseguido pela classe política por falar a verdade e odiado pela maioria, não se tem jornalismo independente no sonho de uma cidade mais justa, humana e solidária. GRAÇA E PAZ !!!

DIRETO DA REDAÇÃO

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