O assunto é polêmico, a lei é questionada e até as comemorações foram alteradas por questões ideológicas. Na imprensa, raríssimos são os veículos de comunicação que ainda abordam o assunto Fato é que no dia 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea, um dispositivo legal de apenas dois parágrafos que, formalmente, acabou com a escravidão no Brasil.

Hoje, são completados 134 anos da libertação, mas os impactos de quase quatro séculos de escravidão continuam presentes na sociedade brasileira. Nesta data se comemora a abolição da escravatura, se é nós podemos comemorar isto, embora não há nada a se comtemplar quando batemos de frente com a realidade, principalmente na cidade de Marília.

Conhecida popularmente como Lei Áurea, a legislação de número 3.353 de 1888 foi a última de uma série de normas aprovadas no século XIX para libertar os escravos do Brasil. A grande maioria dos escravizados eram pessoas negras descendentes de africanos que vieram trazidos à força do continente onde nasceram. 

Segundo os registros, o Brasil foi o último país do continente americano a abolir a escravidão e o negro liberto não recebeu nenhum tipo de auxílio do governo para que pudesse sobreviver. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que 54% da população brasileira é composta por negros.

No entanto, mesmo após a lei, a inserção dos ex-escravos na sociedade brasileira encontrou diversos empecilhos, como apontam professores e especialistas na história do Brasil. E a dificuldade que o povo negro teve para ser incluído no país ainda tem reflexos no Brasil de hoje, no estado de hoje e na Marília de hoje.

Pesquisadores afirmam que, com a falta de oportunidades e o racismo, o quadro de desigualdade perpetuou-se no país e tem reflexos até os dias atuais. O assunto é extremamente abrangente e profundo. Por não haver motivos para se comemorar, também não deixa de ser um marco histórico.

Para se ter ideia, apenas no ano de 2021, o Ministério dos Direitos Humanos acolheu cerca de 1016 denúncias de injúria racial contra pessoas pretas e pardas – que representam 56% da população do Brasil. A maior parte dos registros foram feitos em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Os números mostram que o Brasil ainda está longe de acabar com o racismo.

Em março deste ano, uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva ouviu 1.200 usuários de transporte público e 1.050 funcionários do setor, e revelou que 72% dos brasileiros já presenciaram racismo no transporte público e 39% foram vítimas do crime. Entre os que trabalham como cobradores ou motoristas, o número salta para 65%.

Em 2021, outro estudo da entidade apontou que 61% acreditam que “a patrulha do politicamente correto está deixando o mundo chato” e 27% que fazer piadas às custas de pessoas negras não é problemático.

A percepção desafia a realidade mostrada pelo Atlas da Violência 2021: 29,2 homicídios a cada 100 mil habitantes pretos ou pardos, enquanto os ocorridos entre amarelos, brancos e indígenas são de 11,2 por 100 mil habitantes. Dos assassinatos no Brasil em 2019, ano anterior à pandemia, 77,7% foram contra negros.

Escravidão moderna

134 anos após a assinatura da Lei Áurea, o Brasil ainda continua enfrentando casos de uma escravidão em tempos modernos. São muitos os casos noticiados de trabalhadores encontrados em condições exaustivas que chegam a ser análogas à escravidão — mesmo com todos os avanços na legislação trabalhistas nas últimas décadas.  Desde 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de “trabalho escravo contemporâneo”, “escravidão contemporânea” ou “condições análogas às de escravo”.

Em 2021 o Brasil fechou o ano com 1937 pessoas em situação de escravidão. A Divisão de Fiscalização para a Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), vinculada à Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), divulgou estudo mostrando que 10,42% dos resgates de trabalhadores em situação de trabalho análogo ao escravo em 2021 estavam relacionados a mulheres.


O que foi a Lei Áurea?

Cópia da lei original assinada em 1888 pela princesa Isabel.
Cópia da lei original assinada em 1888 pela princesa Isabel.(foto: InfoEscola)

Antes de ser aprovada, a abolição da escravidão no Brasil já estava em processo de consolidação há algumas décadas. Com a Lei Eusébio de Queiroz, a Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários, diversos negros receberam a alforria antes de 1888. Nesse contexto, no final dos anos 1880, o número de escravos já era bem inferior ao encontrado nas décadas anteriores, em um país que contava com cerca de 15 milhões de habitantes.

“É impossível falar do Brasil e tentar interpretá-lo sem falar da escravidão e, portanto, da questão de raça”, afirmou a socióloga Berenice Bento e professora da Universidade de Brasília (UnB). 

Por meio da Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, pela Princesa Isabel, que ocupava a regência do país durante uma viagem internacional de D. Pedro II, a abolição definitiva da escravidão no Brasil foi aprovada. O texto foi bem curto e direto, e contou com o apoio, tanto do Partido Liberal, quanto do Conservador. “É decretada extinta desde a data d’esta Lei a escravidão no Brasil”, afirma o primeiro parágrafo da lei.

Na verdade, não é possível afirmar que esse processo já esteja encerrado, com diversos debates acerca da “escravidão moderna”. Segundo a socióloga Berenice Bento, a lei de 1888 foi importante, mas não pode ser considerada uma dádiva concedida pela princesa Isabel. “Não é possível dizer que a lei de 1888 não foi importante, no entanto havia uma demanda muito maior por parte dos abolicionistas que vinham lutando por esse direito”, afirmou.

Ativismo dos abolicionistas

A socióloga cita, por exemplo, o advogado negro Luiz Gama. Na missão de libertar e garantir o direito dos escravizados, Luiz Gama valeu-se de uma “brecha” no próprio sistema escravista: a lei de 7 de novembro de 1831 que extinguiu o tráfico negreiro. Por esta lei, aqueles que eram trazidos para o Brasil depois desta data seriam considerados livres. Luiz Gama dedicou-se com afinco e de maneira gratuita a libertar pessoas escravizadas de várias províncias do Brasil.

“Ele lutou para conseguir a carta de alforria de diversas pessoas que eram escravizadas. Então a lei de 1888 não foi de forma alguma dádiva da princesa Isabel”, disse. No entanto, para o deputado federal D. Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), autor do livro ‘Por que o Brasil é um país atrasado’, e trisneto da princesa Isabel, o papel da monarca regente foi decisivo.

“Desde abrigar e favorecer escravos que estavam em processo de alforria, a libertá-los onde ela podia, a princesa ajudou. Vale lembrar que a família imperial nunca teve escravos. Ela (a princesa) incluia muitos deles também pelos seus talentos. Muitos eram advogados, escritores e poetas, e ela dava espaço para eles. Também era ativista junto com os políticos”, diz o deputado. 

Um dos ativistas negros que apoiaram a princesa foi José do Patrocínio. Depois que a Lei Áurea foi aprovada, diversos barões escravocratas ameaçaram a família imperial de morte. Com isso, o ativista organizou uma guarda formada apenas por voluntários negros, para proteger a princesa e toda a sua família.

“Ele (José do Patrocínio) criou uma guarda negra para proteger a princesa e a família imperial, como um todo. Então, já se aferia a quem era o mérito da abolição. Não eram dos ingleses, era da Princesa Isabel, mesmo. Ela que fez a coisa acontecer”, disse o deputado.

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