É a festa em que os cristãos comemoram o nascimento de Jesus. Quando pesquisamos um pouco mais, porém, sua origem se perde na Antiguidade e encontra a verdade de uma farsa construída por um grande político da época.

O Natal se transformou numa festa que mistura tradições de muitas origens com um consumismo desenfreado que, apesar do comércio eletrônico, continua mobilizando as cidades. As luzes, as árvores, as compras, as feiras e o jantar da empresa talvez não nos deixem ver o principal: o Natal é uma festa religiosa, em que os cristãos celebram o nascimento de Jesus. Mas, se pesquisamos um pouco mais, vemos que sua origem se perde na Antiguidade, nas primeiras e remotas crenças humanas, às quais, ao longo dos séculos, foram se incorporando novas tradições. Desde o Império Romano, o Natal tem sido uma luta entre elementos religiosos e pagãos, entre a festa e a liturgia, que se prolonga até nossos shopping centers.

Roma, século 2, dia 25 de dezembro. A população está em festa, em homenagem ao nascimento daquele que veio para trazer benevolência, sabedoria e solidariedade aos homens. Cultos religiosos celebram o ícone, nessa que é a data mais sagrada do ano. Enquanto isso, as famílias apreciam os presentes trocados dias antes e se recuperam de uma longa comilança. Mas não. Essa comemoração não é o Natal. Trata-se de uma homenagem à data de “nascimento” do deus persa Mitra, que representa a luz e, ao longo do século 2, tornou-se uma das divindades mais respeitadas entre os romanos. Qualquer semelhança com o feriado cristão, no entanto, não é mera coincidência.

A história do Natal começa, na verdade, pelo menos 7 mil anos antes do nascimento de Jesus. É tão antiga quanto a civilização e tem um motivo bem prático: celebrar o solstício de inverno, a noite mais longa do ano no hemisfério norte, que acontece no final de dezembro. Dessa madrugada em diante, o sol fica cada vez mais tempo no céu, até o auge do verão. É o ponto de virada das trevas. Num tempo em que o homem deixava de ser um caçador errante e começava a dominar a agricultura, a volta dos dias mais longos significava a certeza de colheitas no ano seguinte. E então era só festa. Na Mesopotâmia, a celebração durava 12 dias. Já os gregos aproveitavam o solstício para cultuar Dionísio, o deus do vinho e da vida mansa, enquanto os egípcios relembravam a passagem do deus Osíris para o mundo dos mortos.

As datas religiosas mais importantes para os primeiros seguidores de Jesus só tinham a ver com o martírio dele: a Sexta-Feira Santa (crucificação) e a Páscoa (ressurreição). O costume, afinal, era lembrar apenas a morte de personagens importantes. Líderes da Igreja achavam que não fazia sentido comemorar o nascimento de um santo ou de um mártir – já que ele só se torna uma coisa ou outra depois de morrer. Sem falar que ninguém fazia idéia da data em que Cristo veio ao mundo – o Novo Testamento não diz nada a respeito.

Só que tinha uma coisa: os fiéis de Roma queriam arranjar algo para fazer frente às comemorações pelo solstício. E colocar uma celebração cristã bem nessa época viria a calhar – principalmente para os chefes da Igreja, que teriam mais facilidade em amealhar novos fiéis. Aí, em 221 d.C., o historiador cristão Sextus Julius Africanus teve a sacada: cravou o aniversário de Jesus no dia 25 de dezembro, nascimento de Mitra. A Igreja aceitou a proposta e, a partir do século 4, quando o cristianismo virou a religião oficial do Império, o Festival do Sol Invicto começou a mudar de homenageado.

“Associado ao deus-sol, Jesus assumiu a forma da luz que traria a salvação para a humanidade”, diz o historiador Pedro Paulo Funari, da Unicamp. Assim, a invenção católica herdava tradições anteriores “Ao contrário do que se pensa, os cristãos nem sempre destruíam as outras percepções de mundo como rolos compressores. Nesse caso, o que ocorreu foi uma troca cultural”, afirma outro historiador especialista em Antiguidade, André Chevitarese, da UFRJ.

Não dá para dizer ao certo como eram os primeiros Natais cristãos, mas é fato que hábitos como a troca de presentes e as refeições suntuosas permaneceram. E a coisa não parou por aí. Ao longo da Idade Média, enquanto missionários espalhavam o cristianismo pela Europa, costumes de outros povos foram entrando para a tradição natalina. A que deixou um legado mais forte foi o Yule, a festa que os nórdicos faziam em homenagem ao solstício. O presunto da ceia, a decoração toda colorida das casas e a árvore de Natal vêm de lá. Só isso.

Por que celebramos o Natal em dezembro?

O solstício de inverno (no Hemisfério Norte) é a noite mais longa do ano, o momento em que os dias começam de novo a crescer, uma vitória simbólica do Sol contra a escuridão. Acontece entre 21 e 22 de dezembro e é comemorado desde tempos imemoriais. O historiador Richard Cohen relata, em seu livro Persiguiendo el Sol: La historia épica del astro que nos da la vida (perseguindo o sol: a história épica do astro que nos dá a vida) que “praticamente todas as culturas têm uma forma de celebrar esse momento”. “O aparente poder sobrenatural para governar as estações, que se manifesta nos solstícios, inspirou reações de todos os tipos: ritos de fertilidade, festivais relacionados com o fogo, oferendas aos deuses”, afirma Cohen. Nessa mesma época do ano, em meados de dezembro, os antigos romanos festejavam a SATURNÁLIA, festival em que eles ofereciam presentes entre si, mas também trocavam os papéis sociais, uma mistura entre nosso Natal e o Carnaval.

O que aconteceu em 25 de dezembro?

“A data do Natal foi fixada em 25 de dezembro pelo imperador Constantino, porque nesse dia era celebrada a grande festa solar em Roma”, explica Ramón Teja, professor emérito de História Antiga da Universidade de Cantábria (Espanha), especialista em história do cristianismo e presidente de honra da Sociedade Espanhola de Ciência das Religiões. Assim o Imperador que transformou o cristianismo, na religião de Roma, e que governou entre 306 e 337, identificava de alguma maneira sua figura com o divino, aproveitando o antigo festival do Dia do Nascimento do Sol Invicto. “Foi uma fusão do culto solar com o culto cristão”, diz Teja.

Então Jesus não nasceu no Natal?

Iluminação de Natal no centro de Sevilha.
Iluminação de Natal no centro de Sevilha.PACO PUENTES

Não existe nenhuma informação sobre a data de nascimento de Jesus. A imensa maioria dos especialistas afirma que ele foi uma figura histórica, mas, assim como existem dados sobre sua morte – foi crucificado por Roma em Jerusalém durante a Páscoa judaica –, seu nascimento é um profundo mistério. “O único dado histórico é que Herodes I ainda reinava, de modo que o cálculo do ano zero estava errado; seria preciso adiantar quatro ou cinco anos”, explica Teja, já que Herodes, o Grande, morreu no ano 4 a.C.

O jornalista do EL PAÍS Juan Arias, um dos maiores conhecedores da figura de Cristo e profundo divulgador da história cristã através de livros como Jesus: Esse Grande Desconhecido (Objetiva), escreveu: “A lenda do nascimento de Jesus é silenciada por dois dos quatro Evangelhos canônicos: o de Marcos, considerado o mais antigo, e o de João. Eles iniciam o relato da vida de Jesus quando já era adulto.” A revista National Geographic publicou, em sua edição de dezembro, uma ampla reportagem sobre as certezas arqueológicas sobre Jesus, com texto de Kristin Romey e fotos de Simon Norfolk, que se pronuncia no mesmo sentido. “A Igreja da Natividade, em Belém, é o templo cristão mais antigo ainda em uso, mas nem todos os especialistas acreditam que Jesus de Nazaré tenha nascido em Belém. A arqueologia mantém silêncio sobre o assunto”, escreve Romey. O relato da manjedoura e dos pastores aparece em Lucas; os Reis Magos, o massacre dos inocentes e a fuga para o Egito, em Mateus. “É uma interpretação teológica a posteriori”, afirma Teja. “Trata-se de uma forma de indicar que [Jesus] descende da tribo do rei Davi, que procedia de Belém.”

Teólogos afirmam que Jesus não nasceu no dia 25 dezembro

A data do nascimento de Jesus Cristo não foi registrada na Bíblia, mas pelos estudos é fato que não foi em dezembro, já que em Israel esse é um mês de inverno rigoroso.

A Bíblia narra que no episódio do Seu nascimento, havia pastores no campo cuidando das ovelhas, na madrugada. Veja: “Havia pastores que estavam nos campos próximos e durante a noite tomavam conta dos seus rebanhos.” (Lucas 2.8)

Se fosse dezembro, a noite estaria tão fria que, certamente, todos os rebanhos estariam protegidos em alojamentos. O clima em Israel é bem diferente do nosso e varia de temperado a tropical. Entre o fim de março e meados de novembro o tempo é quente e seco, então os rebanhos costumavam ficar ao ar livre. Mas, a partir de dezembro começava o inverno chuvoso e as noites frias. Daí, os estudiosos concluem que Jesus não nasceu em dezembro.

Sobre a contagem do povo

Além disso, eles alertam para o fato de que o Imperador não exigiria que houvesse um censo que obrigasse as pessoas a viajarem em pleno inverno. Alguns especialistas ainda se arriscam a calcular a data aproximada do nascimento de Jesus fazendo uma contagem regressiva a partir de sua morte. Eles dizem que Jesus nasceu entre setembro e outubro. Outros defendem que Jesus nasceu por volta de março e abril.

Seja como for, o dia 25 de dezembro ficou estabelecido como o dia da festa cristã. A maioria das igrejas do nosso tempo concorda com essa comemoração, embora alguns religiosos prefiram deixar a data passar em branco, alegando que ela tem ligação com o paganismo.

E qual o papel dos Reis Magos nessa história?

O relato da visita dos magos com seus presentes – um momento conhecido como Epifania – só aparece no Evangelho de Mateus. A imensa maioria dos historiadores considera que Gaspar, Baltazar e Belchior têm uma função muito importante na tradição cristã porque, como explica Teja, “os reis que visitam [o Menino Jesus] são pagãos, não judeus, e são os primeiros que o reconhecem como um descendente da linhagem de Davi, como rei e como deus.” De fato, os cristãos do Oriente continuam comemorando o Natal em 6 e 7 de janeiro. Isso tem a ver com as diferenças entre o calendário juliano e o gregoriano, mas também com o fato de que o Oriente manteve, durante séculos, a Epifania como o momento-chave dessa festa. Sua associação com os presentes é muito mais tardia e começa no final do século XIX, embora sua presença na nossa cultura seja enorme: a primeira peça teatral castelhana de que se tem notícia é Auto de los Reyes Magos, do século XII. Em outros países, também é celebrada. Na Itália, por exemplo, em 6 de janeiro vem uma bruxa boa, Befana – palavra que procede de Epifania.

E como o Papai Noel entra nisso tudo?

Um papai noel, em Madri no Natal de 2016.
Um papai noel, em Madri no Natal de 2016.ALFREDO ARIAS

A viagem do Papai Noel ou Santa Claus até o nosso Natal é longo e tortuoso. Os mais radicais entre os protestantes, os puritanos, proibiram o Natal porque consideravam, talvez com certa razão, que era uma festa que estava se “paganizando”. Além disso, o protestantismo defendia a iconoclastia, era contra a representação de figuras sagradas, o que não se encaixava muito nas tradições natalinas. O Parlamento britânico proibiu o Natal em 1644, restaurando-o apenas em 1660.

Os puritanos foram os primeiros colonos da América do Norte e levaram consigo aqueles costumes: em Boston, também proibiram a festa entre 1659 e 1681. Pouco a pouco, contudo, o Natal foi renascendo no Novo Mundo, embora os protestantes tenham buscado seu próprio caminho para diferenciá-lo do culto católico. Foi assim que se lembraram de um velho santo, São Nicolau. “Santa Claus é uma figura muito cristã”, explica Diarmaid N. J. MacCulloch, professor de História da Igreja na Saint Cross College de Oxford. “O nome é uma tradução holandesa de São Nicolau.

Outra coisa é que tenha existido de fato: era um santo de Mira, na atual Turquia, e sua lenda incluía a história de que ressuscitou três crianças assassinadas – daí sua conexão com a infância.” A importância cultural que os EUA adquiriram em nossas sociedades fez o resto: Papai Noel começou a colonizar as festas durante o século XX. O grande antropólogo francês Claude Lévi-Strauss escreveu um pequeno ensaio sobre esse processo: O Suplício do Papai Noel (Cosac Naify). Segundo sua teoria, a chave não era o prestígio dos EUA, e sim “a função prática dos ritos de iniciação” – neste caso, ensinar que as boas ações têm recompensas, presentes em troca do bom comportamento.

Outro fato que se conta da época pelos pesquisadores também originam da mesmo região. Ásia Menor, século 4. Três moças da cidade de Myra (onde hoje fica a Turquia) estavam na pior. O pai delas não tinha um gato para puxar pelo rabo, e as garotas só viam um jeito de sair da miséria: entrar para o ramo da prostituição. Foi então que, numa noite de inverno, um homem misterioso jogou um saquinho cheio de ouro pela janela (alguns dizem que foi pela chaminé) e sumiu.

A árvore de Natal também é uma invenção dos EUA?

Recorte de um pedacinho de uma árvore de natal, com luzinhas e algumas bolas vermelhas penduradas nos galhos que aparecem na foto.

O pinheiro de Natal também empreendeu uma estranha viagem de ida e volta da Europa aos EUA, mas não é, em absoluto, uma invenção americana. Ao contrário: como Santa Claus, é uma exportação. Nesse caso, como acontece com os solstícios, o culto às árvores se perde nas profundezas das nossas tradições culturais e religiosas. Mas, como explica o professor MacCulloch, “a árvore de Natal é uma tradição mais cristã do que as pessoas pensam”. “Todas as religiões utilizam as árvores como símbolos, e elas são um elemento essencial da história do Gênese. As primeiras árvores de Natal decoradas que conhecemos são da Alemanha do século XVI, na época da Reforma. O próprio Martinho Lutero incentivou esse costume”, prossegue o professor de Oxford. De novo, uma tradição relacionada com o protestantismo – a árvore de Natal evita as representações de figuras sagradas – cruza o Atlântico e volta transformada em símbolo universal. Na Espanha, convive pacificamente com a representação máxima de nosso Natal: os presépios.

Quando começamos a montar presépios?

O primeiro presépio aparece numa lenda: na noite de 24 de dezembro de 1223, São Francisco de Assis organiza um presépio vivo numa gruta da cidade italiana de Greccio, e a figura do menino acaba se transformando no verdadeiro Jesus. Esse milagre foi plasmado por Giotto no final do século XIII num dos afrescos mais famosos da história da arte, que pode ser visto na Basílica de São Francisco de Assis.

Para o relato da história dos presépios, recorremos à erudição de Antonio Basanta, vice-presidente e patrono da Fundação Sánchez Ruipérez, mas, sobretudo, dono, com sua esposa, Teresa Martín, de uma das maiores coleções do mundo, sendo que parte dela pode ser vista atualmente na casa do Leitor do Matadero Madrid. A coleção Basanta-Martín é formada por 25.000 peças e 4.000 conjuntos de presépios, todos realizados por artesãos em atividade. “É um fenômeno universal, indissociável da cultura espanhola”, diz Basanta, que acaba de publicar o ensaio Leer Contra La Nada (ler contra o nada). “Para organizar seu presépio, São Francisco tem que pedir uma autorização papal, porque Roma havia proibido essas cenas no século XIII, já que elementos pagãos eram introduzidos através dos pastores. Isso quer dizer que é um fenômeno que já existia antes.”

O presépio mais antigo da Espanha está na Igreja de La Sang de Palma de Mallorca, datado de 1480, obra dos irmãos Alamanno. De Múrcia até Nápoles, passando por Barcelona e pela Plaza Mayor de Madri, os presépios ocupam um espaço enorme em nosso imaginário coletivo. Nas ruas da cidade histórica de Nápoles, podemos comprar figuras de Berlusconi e Maradona, santificadas, em certa medida, através de sua conversão em barro, e nos mercados da Catalunha os famosos caganer – que, como explica Basanta, provêm da Idade Média e simbolizam a fertilização da terra – se encarnam nos personagens da temporada. Este ano, inevitavelmente, foram vendidos todos os modelos de Puigdemont e Josep Lluís Trapero. De novo, o celestial e o terrenal se fundem em festas que resumem uma parte importante do longo e inesgotável caminho da relação humana com o divino. E deixamos de fora Scrooge (personagem de Um Conto de Natal, de Charles Dickens) e os fantasmas dos Natais presentes, passados e futuros, e as luzes, e o filme A Felicidade Não Se Compra, Simplesmente Amor…

EM VERDADE VOS DIGO, A MELHOR RECOMENDAÇÃO É NÃO SE PRENDER A DATA EM SI, MAS, AO NASCIMENTO. E QUANDO MENCIONAMOS ISTO, NOS DIRIGIMOS A NASCIMENTO DELE, DENTRO DE NÓS.

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