Pela primeira vez em 34 anos, bolacha ultrapassou CD nos Estados Unidos. No Brasil, nossa reportagem foi matar a saudade dos LPs junto aos que fazem questão de ter os ‘queridinhos’ da vitrola

No primeiro semestre deste ano, as vendas de LPs (os saudosos bolachões) ultrapassaram os de (também já antigos) CDs, algo que não acontecia nos Estados Unidos desde 1986, constatou a norte-americana  RIAA (Recording Industry Association).

No mesmo período, que também foi acompanhado pela pandemia de covid-19, a indústria da música nos EUA encolheu 6% em todo o mercado. Mas o índice não foi suficiente para derrubar o montante de US$ 230 milhões (cerca de R$ 1,2 bilhões) de vendas dos vinis. Já os CDs perderam 48% da receita, beirando os US$ 129 milhões (R$ 722 milhões)nos primeiros seis meses do ano.

Para quem gosta do vinil, o sucesso não é surpresa. Proprietário da vinilateria Mystery, em Presidente Prudente (SP), Eugênio Balan, 67 anos, é comerciante, colecionador e dono de mais de 8 mil exemplares. Ele conta que a pandemia não atrapalhou o fluxo dos negócios.

“O pessoal tem visitado mais as plataformas virtuais e as vendas aqui na vinilateria melhoraram muito. Agora conseguimos vender para o Brasil todo. Temos compradores do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Brasília e Paraná”, conta Eugênio ao explicar que a migração para as redes sociais conseguiu diversificar o negócio.

“Eu nunca deixei de achar que o real documento musical é o vinil. Pelos dados, sabemos que ele possui o tamanho ideal para fazer a leitura das faixas, o encarte com a história completa de como, quem e onde gravou o exemplar”, afirma o colecionador, que começou o negócio de discos quando ainda era um adolescente, em 1972.

Já para a estudante de relações internacionais Isabela Lima, 24 anos, a história com os vinis é um pouco mais recente. Ela conta que o primeiro vinil que se lembra quando criança era o álbum favorito do seu pai, o “In Through The Out Door”, do Led Zeppelin.

De lá para cá, a estudante fez seu próprio acervo depois de comprar seu primeiro vinil aos 18 anos. “Acho diferente a experiência de comprar um álbum e ouvir tudo o que tem nele. Agora crio minhas próprias memórias de consumo, como meu pai, e acho que os discos ficam mais especiais. Eu coloco o vinil e tenho o meu momento”, conta a estudante, que adora garimpar os exemplares.

ENTREVISTA COM MICHEL NATH – FUNDADOR DA FÁBRICA VINIL BRASIL

Como é a produção de discos no Brasil?
Ela segue um padrão que está acontecendo de forma geral no mundo todo, que é um renascimento e crescimento da produção de discos de vinil em nível planetário. Há seis ou quatro anos, tínhamos 60 fábricas no mundo e hoje temos 180. Vemos que é um mercado que está em crescimento, mas, ao mesmo tempo, apesar da simpatia do público geral e deste crescimento ano a ano, ainda temos algumas dificuldades econômicas, tecnológicas e financeiras por estar no Brasil, onde existem duas fábricas.

A Vinil Brasil surgiu a partir de qual demanda?
Surgiu a partir da demanda do Brasil ter uma fábrica de discos de música brasileira com excelência e qualidade, que atendesse bem ao mercado que foca em música como cultura e como preservação de legado. A Vinil Brasil apareceu como opção de dar, a quem está em São Paulo e no Brasil, a oportunidade de fazer um disco com padrão de qualidade que não deve nada as melhores fábricas do planeta. E também para que a gente pudesse colocar nossa produção de discos de vinil de volta no patamar das melhores prensagens e produções do planeta. Sabendo também que o mundo, e o mercado do vinil, estavam passando por um renascimento em uma nova fase de expansão.

A que se deve esse retorno da procura por discos de vinil? É um consumidor mais novo ou esse mercado sempre esteve presente?
Acho que devemos esse retorno a uma série de fatores. Existe um mercado que é latente em crescimento e que tem a ver com as pessoas que apreciam qualidade de áudio, ou que colecionam esses documentos sonoros. Tem a ver com o pesquisador, com o músico, a banda, colecionador, DJ e os entusiastas, como a geração mais antiga que já teve o hábito de consumir vinil. Mas sim, trabalhamos porque acreditamos que tem uma nova geração, que já cresceu no mundo digital e que está acordando para esse hábito salutar de escutar discos. As pessoas estão acordando para o fato de que o mundo digital tem as suas praticidades e sua facilidade, mas em muitos níveis, ele é só uma ilusão, uma simulação. As pessoas querem ter mesmo em disco uma coleção para preservar para uma posteridade e não só um link de uma música.  As pessoas querem ter a música, querem ter o objeto para poder olhar uma capa, querem poder ler uma ficha técnica e poder tocar na música. As pessoas estão precisando de vida real e de coisas mais significativas, tangíveis e mais duráveis.

Qual a característica mais marcante do disco de vinil em relação às plataformas digitais?
A grande diferença do vinil como mídia é a qualidade final do áudio. O vinil tem a capacidade de ser impresso com um áudio de alta qualidade de resolução e alto nível de qualidade. É a fonte mais segura como mídia para se materializar e preservar em longo prazo um documento musical. O vinil continua sendo a melhor maneira e o melhor formato de qualidade, preservação e longevidade.

O que acontecia em 1986?

O mundo no último ano em que LPs tinham mais  vendas que CDs:

  • Era lançado no Brasil o Plano Cruzado
  • Paulo Ricardo era o principal “crush” de adolescentes daquele ano
  • Titãs lançou o álbum clássico “Cabeça Dinoussauro”
  • No cinema, estreava “Top Gun” e “Curtindo a Vida Adoidado”
  • Cindy Lauper lançava a música “True Color”
  • Assistíamos “Anos Dourados”, com Malu Mader e Felipe Camargo
  • Alain Prost foi bi-campeão mundial de Fórmula 1

Em Marília, duas lojas se destacam na comercialização de discos de vinil; a London Loop na rua nove de Julho, no mercadão municipal e o sebo universitário na rua Prudente de Moraes quase esquina com a rua quatro de abril. no centro da cidade.

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