Após levantar a discussão “Será que já gozei?”, a colunista traz à reflexão a disparidade de prazer nas relações sexuais

Vivemos condições desiguais em vários cenários. Provavelmente você já ouviu falar sobre desigualdade salarial, desigualdade social, desigualdade racial… Trata-se da diferença de condições e direitos para determinadas parcelas da população em nossa sociedade. No campo da sexualidade, não é diferente. Nossa cultura, muito pautada pela pornografia e pela centralização do prazer masculino, limita o acesso das mulheres a algo muito importante: o orgasmo!

Estudos realizados na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo demonstram que cerca de metade das mulheres brasileiras têm dificuldades de chegar ao orgasmo, enquanto somente 4% a 10% da população masculino sofre de anorgasmia (este é o nome dado à ausência de orgasmo ou dificuldade extrema em “chegar lá”).

Mas o que leva a essa diferença tão gritante?

É muito comum acreditarmos que as mulheres têm mais dificuldades por questões puramente fisiológicas. Os discursos que reforçam essa desigualdade são muitos, como “o homem sente mais desejo que a mulher”; “os hormônios masculinos facilitam o orgasmo”; ou o próprio hábito que muitas mulheres têm de fingir o orgasmo para o parceiro. Além disso, as mulheres são desencorajadas a tocar o próprio corpo e a se masturbar, o que dificulta o acesso ao prazer delas.

Na verdade, o clitóris, a grande estrutura de prazer da mulher, é pouco conhecido, e o sexo heteronormativo – aquele vemos nos filmes e imaginamos que seja o “correto”, o famoso papai e mamãe, sabe? – não prioriza o orgasmo feminino. Isso porque a glande do clitóris é externa ao canal vaginal, ou seja, a nossa grande fonte do prazer é deixada de lado durante a penetração vaginal. Você já tinha percebido isso?

O clitóris é melhor estimulado com práticas que não necessariamente envolvem a penetração

Sabemos que a penetração é supervalorizada. Ela dá muito prazer ao homem (embora ele também sinta prazer de outras muitas formas) e é o símbolo máximo do sexo procriativo, aquele que serve para engravidar, certo? Mas nossa espécie é uma das poucas que transam por prazer, e não apenas para procriação. Por isso, dispomos de outras práticas sexuais para além da penetração (ufa!) e que dão total atenção ao clitóris e ao prazer das pessoas que têm vulvas!

A desigualdade de orgasmo é um fenômeno social, porque nas cenas sexuais o pênis é protagonista da relação sexual

Infelizmente, as crenças que nos rodeiam sobre os corpos femininos são muito cruéis com nosso prazer. Dizem para não tocarmos nossa “periquita”, para sentarmos de pernas fechadas, para não falarmos sobre sexo, para não desejarmos. Todas essas proibições nos afastam de uma vida plena sexualmente, cheia de tesão. O resultado disso é a grande dificuldade que mulheres têm de chegar ao orgasmo.

Apesar de tudo isso, pouco se fala sobre desigualdade de orgasmo

Essa ainda é uma pauta “abafada” socialmente. Exigir que tenhamos os mesmos direitos orgásticos parece até absurdo, não parece? Pelo fato de nós, mulheres, ainda falarmos de sexo com pudor, realmente achamos um delírio essa exigência. Mas essa discussão precisa surgir, nas nossas relações, nos meios de comunicação, nas rodas de conversa. Debater a importância de uma vida com orgasmos é urgente para que possamos garantir nosso direito ao prazer! Que tal começar a pensar mais nessa reivindicação?

FERNANDA CASSIM- Sexóloga e Psicanalista, graduada em Psicologia e em Letras, com Mestrado e Doutorado em Linguística e Pós-Graduada em Sexualidade Humana. Dedica sua carreira à educação sexual, empoderando mulheres para desejar e viver com mais prazer e menos tabus. É idealizadora do Podcast Vulvas no Divã, ama comunicação, viagens, linguagens, esportes e artes.
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