Nem um estado brasileiro chega a 25% de mulheres homenageadas em logradouros da cidade – mas verdadeiramente elas são hoje mais da metade da população mundial. Em Marília não é diferente

Você talvez não saiba quem é Kaíto Jrº, radialista, ativista social e jornalista responsável por esta página, principalmente por este texto. Sem problema nenhum em se declarar heterossexual, pai de quatro filhos e avô de dois netos, no entanto reconhecidamente um grande defensor da causa feminista na cidade de Marília, uma cidade tipicamente conservadora, preconceituosa, machista e que não reconhece o feminismo até em seu próprio nome.

Esta página dá continuidade ao pensamento de uma ONG que ensaiou ser criada para discutir a cidade que queremos em nosso centenário (2029 ). Devido à muitas interferências e interesses políticos, optamos por momentaneamente transforma-la nesta página, para que as ideias sejam debatidas pela sociedade, afinal, estamos lutando contra o tempo em uma terra onde os políticos só estão interessados em seus próprios benefícios. Marília é assim, dependendo do local e situação, você precisa ter a cor ‘certa’ na pele. Ter o peso e a aparência considerados ideais. Fazer parte de certa classe social. O esforço individual e a qualidade do próprio trabalho também contam muito, claro.

Já vi gente excelente que se dedicava enormemente e que, sem os atributos anteriores, pouco se espraiou para além da própria comunidade. A situação é ainda mais grave quando citamos as mulheres. Cito como exemplo as líderes comunitárias Selma Andrade de Mello e Miriam Porto que realizaram um excelente trabalho em prol de suas comunidades e após suas mortes nada foi feito para que fossem lembradas.

O que há, pois, em um nome?

Quase toda cidade tem uma Rua Machado de Assis, uma Rua Getúlio Vargas, uma Duque de Caxias, no meio de uma porção de outros nomes que nunca me disseram nada. Às vezes são desbravadores, artistas, mas geralmente são nomes de políticos, pioneiros ou gente rica e influente a quem julgaram que talvez valesse homenagear.

Não tenho nada contra essas pessoas, certamente alguém gostou delas o suficiente para se empenhar numa homenagem. Mas, sem uma história que me conectasse aos nomes, eram apenas palavras vazias. Em assim sendo, passei por espécie de epifania.

Então, tentei buscar na memória mulheres que já foram homenageadas com nomes de prédios e ruas em cidades que eu conheço. De memória, pouco consegui encontrar confirmando a minha certeza de que realmente as mulheres em Marília são relegadas ao décimo plano. Não encontrei na cidade, por exemplo, uma homenagem às brasileiras de destaque nacional como Clarice Lispector, Cecília Meirelles, Cora Coralina, Ivani Ribeiro ou Rachel de Queiroz. Descobri que há uma avenida no bairro Morumbi, em São Paulo, que ganhou o nome de Hebe Camargo. Em Nossa cidade, salvo algumas escolas, qual prédio público e quantas ruas ou avenidas levam o nome de mulheres?

Esse jornalista, quando atuava como ativista dos movimentos sociais, uma de suas maiores conquistas foi a implantação da USF Jardim América IV, onde a luta foi para homenagear uma mulher. A unidade leva o nome da Técnica de Enfermagem Vanilda de Souza Rocha, moradora do bairro, que trabalhava na extinta UBS Bandeirantes e faleceu em função de  um aneurisma cerebral.

Para não dizer isso em voz alta sem pesquisar, busquei saber quantos logradouros no Brasil têm nome de mulher. Ainda que não tenha encontrado um levantamento geral do país, as pesquisas que achei só confirmaram a minha sensação de que as mulheres estão sendo muito mal representadas pelas ruas e logradouros.

Segundo uma pesquisa bastante completa realizada pelo Medida SP, de um total de quase 70 mil logradouros da cidade de São Paulo por exemplo, os que têm nomes de mulher ficam em torno dos 5 mil, contra quase 27.500 com nome de homens. Isso equivale a menos de 20% dos logradouros que homenageiam pessoas.

Além disso, há um padrão bem visível em relação a essas mulheres, que tendem a ser, em sua maioria, santas católicas, com quase 300 logradouros. O segundo lugar, com algo em torno de 150 homenagens, são ruas que carregam o título de “Dona”, provavelmente homenageando esposas de homens influentes do passado. Em terceiro lugar vem “professora”, com menos de 100 homenageadas, seguido por irmãs, madres, baronesas, princesas, etc. Em Marília a situação não é diferente, salvo engano, o nome para alguns bairros como Maria Izabel, Marina Moretti, Maria Martha e mais uma meia dúzia em meio a mais de 300 bairros. Sim, as mulheres de outras profissões e sem “costas largas” realmente representam uma fatia muito pequena nesse bolo.

Outro ponto que me chocou muito foi a diferença em relação aos tipos de logradouros com nomes de mulheres e homens. Mulheres tendem a aparecer mais frequentemente como nomes de vielas, largos, estradas e travessas – ou seja, logradouros ‘de menor importância’. Apenas raramente nomeiam viadutos, avenidas, ruas, alamedas e praças.

Porém, a baixa porcentagem de mulheres em logradouros não é exclusividade de Marília. Em Recife, os nomes femininos estão em torno de 20%, e as mulheres são 7,5% das homenageadas em Curitiba. A (talvez não tão) bela cidade de Gramado consegue alcançar um número ainda menor, com apenas 4% de suas ruas com nomes de mulheres. Em Marília o número se aproxima de 5% e até hoje, nenhuma vereadora do presente ou do passado tentou mudar esse raciocínio com a apresentação de um projeto de lei igualitário quando do lançamento de loteamentos ou inauguração de praças e viadutos.

Reitero que Marília é uma cidade feminina e que já foi cantada em prosa e verso por Moraes Moreira, mas onde as suas mulheres não são homenageadas quando partem desta para uma melhor. A representatividade feminina da mulher precisa ser destacada e registrada também nas placas e ser um modelo para todo o país. A questão não é só lutar por direitos, mas também por equidade e representatividade em coisas que parecem simples, mas valorizam a história das mulheres desta cidade.

Seria uma obviedade dizer que a baixa representatividade feminina em logradouros reflete o machismo ainda presente na sociedade mariliense, principalmente no meio político. Milagrosamente e à custa de muito dinheiro, se elegeu pela primeira vez uma deputada estadual, mas não consta na história nenhuma prefeita ou vice-prefeita eleita, enquanto o número de vereadoras ainda é pífio para tão grande representatividade.

Então, deixo não dito por dito e aprofundo ainda mais a questão: infelizmente, não encontrei muitos dados para avaliar quantos dos homenageados em logradouros são pessoas não brancas, por exemplo. Mas um levantamento feito pela Revista Capitolina apenas na cidade de Campinas aponta que, de 271 nomes, apenas 6 remetem a negros e datas importantes para a população negra. Apesar de ser uma amostra muito restrita, ela já nos ajuda a dar a cor das nossas ruas. PODEM TER CERTEZA QUE AINDA ABORDAREI ESSE ASSUNTO.

Mesmo sendo essas pesquisas apenas recortes, já me sinto na posição de arriscar: as homenagens não refletem o todo da sociedade. Será que é plural que as ruas homenageiem principalmente homens brancos poderosos? Será que somente eles foram importantes para nossas cidades? Será que isso representa bem todas as nossas conquistas enquanto coletividade? Minha resposta é, definitivamente, não.

É também por isso que uma homenagem a mulheres que tenham se destacado no seu trabalho comunitário ou em sua profissão, seja ela qual for, é de fundamental importância. Uma mulher, branca ou negra, ser homenageada e eternizada ao dar seu nome a um importante equipamento cultural, social ou esportivo da cidade é algo sem tamanho, que nos ultrapassa e atravessa de tal forma que não é possível que reste pedra sobre pedra depois disso. Existem mulheres em nossa cidade que já faleceram, mas que suas histórias permanecem até hoje, e isso é muito mais importante do que ter ruas e prédios com nomes de duques ou marechais que nunca sequer colocaram os pés aqui. Nomes de plantas, flores e outros enquanto pessoas que foram exemplos possuem apenas a placa da sepultura.

É fundamental que você leitora do JORNAL DO ÔNIBUS DE MARILIA e principalmente desta página MARÍLIA CENTENÁRIA, lute para que isso aconteça em nossa cidade. Nomear é inscrever na história, é reforçar a sua importância – seja para o mundo, seja para sua comunidade. A homenagem dada a uma pessoa é também uma homenagem a quem, total ou parcialmente, se identifica com seus adjetivos.

Me estranha até hoje ninguém ter levantado esta bandeira, mas como fui também o primeiro a trazer para Marília uma entidade luta pela defesa  das mulheres através do extinto CAMOM, me sinto tranquilo em levantar a questão para que alguma mulher se identifique com a causa, levante a bandeira e brigue por ela. Foram heroínas em vida e que sejam lembradas, agora e sempre, na cidade que as viram produzir, trabalhar e ensinar.

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