Nos últimos tempos e principalmente nos últimos dias, têm se levantado no Brasil algumas discussões defendendo a volta da ditadura militar e, de maneira mais específica, a volta do AI-5. Por outro lado, questionamentos sobre algumas medidas adotadas pelos poderes ou pelo governo que lembram ou se assemelham aos atos adotados naquela ocasião. Mas, e você, sabe o que realmente foi o Ato Institucional nº 5 e quais seriam seus possíveis impactos hoje?

Este texto tem o intuito de tentar esclarecer um pouco mais esse tema e mostrar os possíveis efeitos e consequências em relação à harmonia e a independência entre os Três Poderes se esse ato voltasse a valer hoje, após a promulgação da Constituição de 1988.

O Ato Institucional nº 5, AI5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros. Definiu o momento mais duro do regime, dando poder de exceção aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados.

Segundo o texto do ato, o Presidente da República poderia decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República (Art 2°, AI-5).

Ainda, segundo o artigo 11 do AI-5, eram excluídos de qualquer apreciação judicial (ou seja, nenhum juiz ou tribunal poderiam fazer qualquer análise) todos os atos praticados de acordo com este Ato institucional e seus Atos Complementares, bem como os seus respectivos efeitos.

Dessa forma, podia-se perceber uma concentração de poder no executivo paralela a um enfraquecimento do legislativo e do judiciário. E o que isso implica? Implica muito para uma democracia, que se baseia no equilíbrio entre os três poderes. Era justamente esse fortalecimento do executivo em detrimento dos outros dois poderes que caracterizava o regime ditatorial.

O AI-5 na prática

No mesmo dia em que foi decretado, o AI-5 foi também decretado o fechamento do Congresso Nacional, sendo este reaberto somente em outubro de 1969, para a escolha do presidente general Emílio Garrastazu Médici. Na vigência desse Ato, 181 parlamentares tiveram seus mandatos cassados.

Dentre esses estava o deputado Márcio Moreira Alves. Foi ele quem realizou o discurso que serviu como pavio para a decretação do AI-5. No dia anterior à decretação, o deputado incitou à população a fazer um boicote aos desfiles de 7 de setembro daquele ano, além de conclamar as moças a que se recusassem a sair ou receber visitas dos jovens oficiais e integrantes das Forças Armadas.

Dos parlamentares cassados, 173 eram deputados e 8 eram senadores. Dentre eles Juscelino Kubitschek, Marcelo Nunes de Alencar e Pedro Ludovico Teixeira. Além dos deputados e senadores, em janeiro de 1969, três ministros do STF – Victor Nunes, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva – tiveram a aposentadoria compulsória decretada por meio de decreto não enumerado baseado no AI-5.

A indústria cultural brasileira e seus artistas também foram suprimidos pelo AI-5. Somente era produzido e exibido aquilo que passasse pelo crivo dos militares. Em entrevista ao site da revista Fórum, a historiadora e pesquisadora Beatriz Kushnir revelou que “na noite de 13 de dezembro de 1968, a maior parte das grandes redações passou a receber pessoas do Exército para fazer censura. Os veículos também receberam uma lista do que estava proibido e permitido liberar”.

Segundo o site observatório de imprensa, “a censura aplicada após decretado o AI-5 foi forte e precisa. Na matéria especial sobre os 40 anos do AI-5, publicada pelo site Biz Evolution, foram vetados 500 filmes, 450 peças teatrais, 200 livros e 500 canções”. Não só as obras e os trabalhos artísticos dos autores sofreram represálias, mas os próprios artistas eram perseguidos, presos e até mesmo exilados, como foi o caso de Antonio Carlos Callado, Caetano Veloso e Gilberto Gil.

Além dos parlamentares, membros do judiciário e personalidades públicas, durante o Ato Institucional n° 5, qualquer cidadão estava propenso a sofrer a suspensão ou até mesmo a cassação dos seus direitos políticos e individuais.

Neste contexto, em 1969, como produtos do AI-5, foram criados dois órgãos ligados ao Exército: o Destacamento de Operações e Informações (DOI) e o Centro de Operações de Defesa Interna (CODI). Segundo o relatório final da Comissão Nacional da Verdade, esses órgãos foram uma forma de se institucionalizar a tortura. Cidadãos brasileiros, como o ex-deputado Rubens Paiva, o jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho foram torturados e mortos em nome da “segurança nacional” nas dependências dos DOI-CODI.

Ainda, segundo o memorial da democracia, “apenas pelo DOI-CODI do 2° Exército (São Paulo) passaram mais de 6.700 presos, dos quais pelo menos 50 foram assassinados sob custódia entre 1969 e 1975”.

A Constituição de 1988 e o equilíbrio de poderes

Ao contrário do que ocorria na ditadura, em uma democracia é essencial que haja plena harmonia e independência entre os Três Poderes.

Após de 21 anos sob a repressão da ditadura militar, a CF/88, também conhecida como a Constituição Cidadã, marcou o processo de redemocratização do Brasil, traçando os pilares fundamentais e imprescindíveis da soberania popular. Um desses pilares é o artigo 2° da CF/88, que estabelece:

 “Art. 2º – São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Este artigo, além de estabelecer as bases de uma democracia saudável, também estabelece um princípio fundamental da República. Pois, conforme trazido por Mário Lúcio Quintão Soares (mestre e doutor em direito pela UFMG), não havendo um respeito ao princípio da tripartição dos poderes, de maneira que haja harmonia e independência entre eles, mas ao contrário, havendo um fortalecimento de algum desses poderes ou uma confusão entre eles, haveria um risco iminente de uma anarquia, de um absolutismo, ou de uma ditadura (pg. 67 – Paradigmas do estado).

Este último caso – a ditadura, como já ressaltado, foi exatamente o que aconteceu no Brasil: a exacerbação de poder do executivo, e um enfraquecimento do legislativo e do judiciário, sendo este fenômeno “legalizado” por atos do próprio executivo, como o AI-5.

E hoje, o que poderia ocorrer se o AI-5 voltasse a entrar em vigor?

Hoje, seria pouco provável que um ato ditatorial voltasse a viger, por conta dos avanços institucionais da democracia brasileira. Mas, como apontado no princípio do texto, uma parcela da população tem se levantado em um movimento pró AI-5 e algumas medidas já anunciadas e adotadas fazem lembrar o ato institucional quase na íntegra. Se este tivesse os seus efeitos revalidados no estado democrático brasileiro, este, sem dúvida, deixaria de ser democrático.

Com o AI-5 vigorando, o princípio republicano, que pressupõe uma democracia, que, por sua vez, pressupõe um equilíbrio, harmonia e independência entre os poderes, entraria em colapso e os cidadãos brasileiros estariam à deriva “do poder executivo”, que poderia agir quase que Ilimitadamente, no esquema de governo do tipo ditadorial : “SEJA FEITA A MINHA VONTADE”.

Assim, para se evitar um novo AI-5 e suas consequências, faz-se necessário que o cidadão brasileiro conheça melhor sua história e a importância dos princípios constitucionais.

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