Acender a luz é permitir que o par amoroso nos veja da forma mais humana na hora H

Você é do tipo de pessoa que se incomoda quando percebe um olhar de interesse vindo em sua direção? Sente-se envergonhada quando é o foco das atenções, ou mesmo quando alguém te elogia? Tem dificuldades de aceitação com o próprio corpo e vive brigando com o espelho e com a balança? Se você respondeu “sim” a alguma dessas perguntas, provavelmente sua vida sexual não tem sido tão prazerosa. Isso porque estar confortável quando se é observada e desejada é primordial para podermos sentir prazer na cama.

É claro que, muitas vezes, olhares desejosos são completamente desconfortáveis quando estamos em público. Pessoas desconhecidas direcionando a atenção para nossos corpos, além de ser incômodo, é bastante invasivo e desrespeitoso. Porém, quando nos propomos a estar em uma relação consensual, faz parte do processo de conquista e de prazer sermos vistas com desejo. Afinal de contas, para que um encontro sexual aconteça, é preciso que todos os envolvidos estejam excitados, desejosos do corpo do/da parceiro/a.

Olhar: o começo de tudo

Uma teoria da Psicanálise explica que o momento em que nos vemos no espelho pela primeira vez, lá na infância, é primordial para a formação do que entendemos como o “ego”, ou seja, para compreendermos quem somos nós no mundo. Fixamos, a partir daquela imagem refletida, que somos seres independentes do resto do ambiente, que temos uma “casa” que é só nossa, um corpo, uma embalagem que leva para lá e para cá nossos pensamentos, emoções e sensações. Com o tempo, isso que entendemos como “nosso corpo” vai ganhando vários significados, de acordo também com a forma como o outro nos olha. Ouvimos, quando crianças: “como ela cresceu!”, “está gordinha!”, “virou mocinha”, “precisa cortar os cabelos”, ou “é mais calma que a irmã”… e assim por diante. Todas essas frases vão entrando no nosso sistema simbólico, ou seja, naquilo que definimos como sendo só nosso, e formando nosso caráter e autoestima ao longo da vida.

Na sexualidade, não é diferente. Já na adolescência, compreendemos quem é a garota que mais atrai os olhares dos meninos, sabemos qual é alvo de piadas ou mesmo quem passa despercebida pelos olhares juvenis. Pelo fato de nossa cultura muitas vezes ditar normas de beleza muito específicas, poucas mulheres se enquadram naquilo que entendemos como sendo um corpo “sexy”. A maioria de nós, então, passa a adolescência e a vida adulta buscando se enquadrar em um padrão quase inatingível, que poderá dar toda a segurança para que a mulher se sinta potente e poderosa. Porém, mesmo que um corpo completamente padrão seja atingido, a questão sexual não se resolve. Primeiro, porque a forma como o outro nos vê geralmente é muito diferente da forma como nós mesmas nos vemos. Segundo, porque o tesão não está necessariamente ligado a padrões de beleza, mas a outros sinais, cheiros, toques, químicas que vão bem além do que aquilo que nossos olhos podem ver.

Luz apagada, sentidos aguçados

O fato de muitas mulheres preferirem fazer sexo com as luzes apagadas pode significar uma porção de coisas. Uma delas é que, quando estamos no escuro, nossa imaginação pode trabalhar melhor. Um grande Psicanalista diz em seus estudos que “a relação sexual não existe”, demonstrando que nunca de fato estamos transando com aquela pessoa que está ali em carne e osso, mas sim com uma ideia que fazemos dela. Muitas vezes, preferimos fantasiar outra pessoa ali, ou mesmo buscamos pensar que aquela pessoa é diferente do que podemos ver com as luzes acesas. Com isso, o ato de apagar a luz é uma reafirmação de nossas fantasias, pois podemos deixar rolar a imaginação sem nos importarmos tanto com o corpo real que está ali na cama conosco. Você deve estar se perguntando, então, se isso é normal, pois, de fato, nunca falamos sobre isso por achar que se trata de uma forma de traição com nosso par romântico. E, sim, é completamente normal. O desejo humano é fluido e dificilmente vai se direcionar a uma determinada pessoa sempre. Temos o poder da imaginação, o que faz com que sempre estejamos em constante mudança quanto ao direcionamento do nosso tesão. E se você é do tipo que pensa que não trai “nem em pensamento”, talvez esteja sendo muito dura e cruel consigo mesma.

Outro significado para a preferência pelo “sexo no escuro” é a falta de segurança com o próprio corpo. Com frequência, as mulheres ficam mais preocupadas com o que vão pensar sobre o corpo delas, do que de fato com o que elas vão pensar sobre o corpo do outro que está ali na relação. Com isso, apagar as luzes é não permitir que o/a parceiro/a veja sua pele, sua forma, suas dobras, seus pelos e cicatrizes. Mas será que esta pessoa que divide o prazer com você está tão preocupada assim com o que você pensa como sendo suas “imperfeições”? A insegurança que aparece nessa cena é muito mais “broxante” do que qualquer celulite – celulite que, inclusive, é um charme quando sustentada por uma mulher segura de si.

Eu gostaria de fazer sexo com a luz acesa, mas ainda me sinto envergonhada, o que fazer?

Se você é daquelas que briga com o espelho sempre que olha para ele, este texto é realmente para você. É claro que teremos dias melhores e piores quando o assunto é autoestima, porém é muito importante que possamos nos olhar para além de um corpo que deve atender a questões estéticas. É importante que você se questione como surge o seu tesão, porque muitas vezes nos preocupamos tanto com como o outro nos verá que nos esquecemos de fato de como veremos o outro. Apagar a luz é, também, perder a possibilidade de voltar o olhar para quem desejamos. Nesse sentido, a proposta é que possamos focar mais naquilo que vemos, ao invés de focarmos na forma como somos vistas. Quais atributos do seu parceiro ou parceira te excitam? Responder a essa pergunta é redirecionar o pensamento para aquilo que importa, para a troca entre o casal. Ficar preocupada demais com o próprio desempenho nos faz esquecer que ali há uma relação, um vínculo, em que o outro é peça fundamental do nosso tesão.

Outra forma de lidar com essa dificuldade de transar com a luz acesa é focar mais nos outros sentidos. Você já parou para sentir os perfumes, barulhos, toques e texturas que o sexo proporciona? Quando dizemos que temos “química” com alguém, isso vai muito além daquilo que podemos ver. Trata-se de um gesto, um tom de voz, um cheiro que nos despertam os sentidos e nos abrem para desfrutar o momento. Saber disso é fundamental para deixar fluir a relação sem se preocupar tanto com o que o outro vê. O que nos atrai, de início, por alguém, pode até ser a forma física, a “beleza” que os olhos alcançam, mas o que mantém o tesão jamais se limitará a isso. Compreender essa complexidade da sexualidade humana fará você acender as luzes não só do quarto, mas também da sua mente, para explorar cada vez mais as infinitas possibilidades de prazer!

FERNANDO CASSIM Sexóloga e psicanalista, graduada em Psicologia e em Letras, com Mestrado e Doutorado em Linguística e Pós-Graduada em Sexualidade Humana. Dedica sua carreira à educação sexual, empoderando mulheres para desejar e viver com mais prazer e menos tabus. É idealizadora do Podcast Vulvas no Divã, ama comunicação, viagens, linguagens, esportes e artes. Ver mais conteúdos de Fernanda Cassim

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